4 de junho de 2012

Obrigações CoCo (conversão contingente), cuidado com o cão !

Obrigações CoCo, mais uma aldrabice financeira, julgamos nós.

São títulos de dívida que o Estado comprará aos bancos emissores para estes reforçarem o rácio TIER1.
O BPI irá emitir 1,3 mil milhões. O BCP 3,5 mil milhões de euros.

O Estado, ao garantir que compra estes títulos híbridos, garante ao banco que este se recapitalizará por considerar estes títulos elegíveis para entrar nas contas dos bancos como sendo capital, quando deveriam era entrar no passivo do banco. Eis o passo de magia.
Desta forma os bancos "recapitalizam-se", correspondendo às exigências do Banco de Portugal (BP) e da Autoridade Bancária Europeia (ABE) em atingirem os míticos 10% no rácio TIER1.

Nós compreendemos a necessidade do BP e da ABE em exigir aos bancos que se recapitalizem o mais depressa possível, porque mal a recapitalização esteja feita, irão exigir logo de seguida que abram os balanços e valorizem os seus ativos em modo "mark to market" para desmistificarem os seus balanços à comunidade internacional.
Mark to market significa que se um banco comprou uma casa ou uma obrigação por 5 há 3 anos, mas agora só vale 3, este tem que desvalorizar o ativo de 5 para 3 no seu balanço, declarando um prejuízo de 2.
Podem não acreditar, mas até aqui os bancos tinham a "suprema lata", patrocinados pelas autoridades, em manter o valor 5 nos seus balanços, quando o mercado há muito que dizia que só valia 3. Na gíria apelida-se de mark to fantasy. Faz lembrar aqueles proprietários que acham que o seu imóvel vale muito mais do que o mercado diz que vale, e assim nunca o conseguem vender, até que um dia um qualquer herdeiro diz basta e tenta vender pelo valor de mercado.

Com este expediente os bancos evitaram reportar prejuízos gigantescos nestes últimos anos, o que resultaria em falências massivas já que ninguém acumulou reservas para fazer face a estes potenciais prejuízos. Só que  os investidores mais atentos aperceberam-se desta mega-aldrabice mundial e há muito que se protegeram destas falsidades. Toda a desconfiança que há para com os bancos reside nestas apostas loucas que foram feitas no imobiliário e que quando se percebeu que iriam todas dar prejuízo esconderam-nas na esperança que não fossem descobertas.

Os líderes políticos sempre souberam desta fragilidade dos bancos, mas no tempo das vacas gordas ninguém se preocupava em haver bancos com capitais próprios que cobrissem os ativos mais arriscados. Como dava tudo lucro, não era preciso reservas para nada. ERRADO!

Mas a aldrabice não deu para aguentar mais, e agora, um a um, os bancos vão rebentando cá para fora as suas necessidades de financiamento. O Bankia na semana passada pediu 19 mil milhões de euros. hoje é Portugal a resgatar 3 bancos num valor superior a 5 mil milhões de euros.

Esta recapitalização é um expediente para que os bancos joguem limpo e não caiam todos na falência quando aplicarem o mark to market aos seus balanços.

A hipocrisia no meio disto tudo é que as más decisões dos banqueiros em concederem empréstimos à bolha imobiliária serão agora financiados através destas obrigações CoCo que o Estado português já assumiu que as irá comprar.

Estas obrigações são de facto títulos de dívida, mas podem transformar-se em ações caso o banco não cumpra as metas definidas pelo Estado, e nesse caso o Estado passa a ser um real acionista do banco.

Isto cheira a mau negócio para o estado, porque a julgar pela queda das ações dos bancos nas bolsas de valores, no dia em que o Estado converter as CoCo em ações, os investidores agitar-se-ão porque saberão que o Estado está a agir porque o banco não cumpriu as metas.
Estes quererão vender as suas ações e o preço destas cairá, tornando o Estado num péssimo acionista já que terá que registar perdas nesta sua "nova" empresa.

O Estado irá prever esta reação em cascata e certamente que não quererá efetuar essa conversão, mantendo os títulos de dívida CoCo em sua posse mesmo com o banco a prevaricar, que é o costume: O risco sistémico estará sempre a pesar na cabeça dos governantes e estes nunca terão a coragem de assumir as decisões difíceis. O timing não era o certo, dirão eles um dia mais à frente numa qualquer comissão parlamentar.

E para que não restem dúvidas a quem será apresentada a fatura:

Todos sabemos que o Estado irá usar o dinheiro da troika para "comprar" estas obrigações CoCo, e também sabemos que esse dinheiro fará parte da dívida pública portuguesa, ou seja, A RECAPITALIZAÇÃO DOS BANCOS SERÁ FEITA POR TI E POR MIM, CONTRIBUINTES PORTUGUESES.

Cuidado com as obrigações CóCó.

Para alguns de vós pode ser desagradável tomar conhecimento destas aldrabices, mas uma consciência lúcida e uma opinião pública fortes fazem-se desta forma, percebendo os meandros e as potenciais consequências deste tipo de atuações políticas.
Ficarmos pela rama e mandarmos umas bocas de que aquele é um ladrão, o outro é um vigarista e aqueloutro não presta não é opinião pública, é maledicência pública, e só nos leva de engano em engano.
Custa, mas tem mesmo que ser...

Tiago Mestre

2 comentários:

Anónimo disse...

Este e o meu primeiro comentário. Sou funcionário público ou melhor trabalho para o estado sem as regalias pois tenho menos de 30 anos. Eu aceitaria os sacrifícios se daqui a 10 anos o meu filho tivesse um país decente...abdicava dos subcidios e afins...mas cada vez mais entendo que nada disto vai resultar e todo este esforço de nada vai servir. Por isso já me encontro em aulas de uma lingua e vou, se conseguir, sair deste país que nada me deu! Só aponto uma crítica o Salazar Nao foi um herói, até podia ser um óptimo economista mas serviu pessimamente os portugueses...manter um povo estúpido durante tanto tempo da nisto. Somos incapazes de ter opinião e a troika pode "dar" dinheiro mas Nao a educação necessária para aquela democracia participativa...

Tiago Mestre disse...

Quando se falta à verdade aos portugueses, é natural que pessoas como tu não se revejam neste sistema, e até atribuam certas reminiscências culturais do presente a um passado que sonegou liberdades e capacidade de formação de opinião.

Salazar teve os seus méritos e os seus defeitos. Sonegar liberdades ao povo é imperdoável. Ainda agora fiz um comentário sobre este assunto num post do blog do Vivendi.

Entristece-me que a liderança política teime em não falar verdade aos portugueses. Ficamos todos a perder, certamente.

Agradeço o teu comentário/desabafo mas exorto-te a refletir que a opinião pública é o somatório de muitas opiniões individuais. E quanto mais nos informamos e nos esclarecemos, menos poder de aldrabar tem quem nos governa. E isso satisfaz-me imenso como promotor da tal democracia participativa que também desejas.