21 de abril de 2011

OPINIÃO: Dívidas a mais, clarificação a menos

Soubemos recentemente que o governo português decidiu pedir ajuda às instituições europeias, no sentido de concederem um empréstimo para acudir às necessidades imediatas de tesouraria e a futuras despesas.


Como contrapartida, as instituições que emprestarão o dinheiro exigirão que o governo português altere um conjunto significativo de políticas e opções financeiras, e clarifique as contas públicas portuguesas.


Sobre este ponto, e como referimos no post anterior acerca das contas da CP, as contas públicas têm sido objecto de várias engenharias financeiras durante esta última década, escamoteando o valor global do défice e da dívida pública.


Consideramos quase um desígnio nacional que não se deixe passar esta oportunidade para voltar a incluir-se no perímetro das contas públicas todas as empresas e instituições que dependem do Estado, bem como os défices tarifários energéticos, as parcerias público-privadas, as empresas municipais, todas as empresas detidas pela holding do Estado Parpublica, a Rádio e Televisão de Portugal, a CP, a STCP, as Estradas de Portugal, a empresa do Estado de Fundos Imobiliários: ESTAMO, todas as sociedades anónimas criadas pelo Estado, e a percentagem de cada empresa em que o Estado detêm acções: por exemplo a REN, a GALP e a EDP.


É que toda esta engenharia financeira que foi criada nas últimas décadas permite que os custos dos serviços que essas mesmas empresas prestam actualmente sejam pagos no futuro, recorrendo a endividamento, aliviando a tarefa de quem gere no presente, na medida em que não precisa de obter os capitais financeiros próprios para liquidar as despesas.


É desta forma que estamos a exigir aos nossos filhos e netos que paguem a prestação de serviços que estamos nós a usufruir, sabendo que esta espiral de dívidas acabará por entrar em ruptura mais cedo ou mais tarde, inibindo-os de usufruírem desses mesmos serviços. Pensamos que nenhum Pai gosta de deixar dívidas aos filhos, mas é exactamente isso que o Estado Português está a fazer aos portugueses.


Se as instituições europeias e o FMI efectuarem um diagnóstico rigoroso sem deixarem custos na sombra, seremos realmente obrigados a uma terapêutica muito dolorosa que, arriscamos a dizer, se não morrermos da doença, poderemos bem morrer da cura. Mas infelizmente foi neste estado de coisas que entregámos a tarefa a estas instituições, e quanto mais se adiar a clarificação das contas, mais grave será o diagnóstico no futuro.


Fonte: Pordata




Este caminho tem sido seguido por Portugal, mas não só. Foi a União Europeia que estimulou no ano de 2009 o reforço desta trajectória de espiral de endividamento, que já vinha de trás, a todos os países europeus como mecanismo para saírem mais cedo das recessões em que estavam mergulhados, seguindo de perto as políticas de estímulo dos Estados Unidos da América:

Qualquer instituição, país ou empresa que se endivida mais do que cresce economicamente, a prazo entrará numa espiral insustentável de endividamento e de posterior colapso:



Fonte: Pordata

Fonte: Pordata



Conclusão: Défices públicos de 3% ou mais acompanhados de crescimento económico de 3% ou menos são a receita a prazo para a insolvência de uma nação.



Tiago Mestre

3 de abril de 2011

FACTOS: Um grande, grande comboio de dívidas

Pretendemos neste post informar-vos da condição financeira da empresa portuguesa estatal CP (Caminhos de Ferro Portugueses) na segunda parte da década que passou, entre 2004 e 2009.


Consideramos pertinente a apresentação desta informação, na medida em que se ficou a saber recentemente que o organismo europeu Eurostat exigiu ao Ministério das Finanças Português a inclusão das contas de 3 empresas públicas: REFER, Metro de Lisboa e Metro do Porto, não só em 2010, como em anos anteriores. Só em 2010, a correcção do défice do Estado passou de 6,8% do PIB para 8,6% do PIB com inclusão destas empresas, bem como os prejuízos do BPN e as garantias dadas ao BPP.


Apesar de não termos tido conhecimento das razões que levaram o Eurostat a excluir os resultados da CP nas contas públicas, consideramos que o passivo e os prejuízos desta empresa devem ser contabilizados nas contas públicas, na medida em que a empresa presta um serviço totalmente público, está sujeita à condição de fixação de tarifas pelo governo e recebe anualmente indemnizações compensatórias, atribuídas também pelo governo.

Remetemos abaixo uma tabela, em que demonstramos os prejuízos anuais da empresa, a evolução dos capitais próprios e do passivo:

                                                                                                                            Fonte: CP

Constata-se todos os anos que a CP tem prejuízos a rondar os 200 milhões de euros, um passivo e capitais próprios que também se agravam anualmente em 200 milhões de euros. Pelas contas acima apresentadas, a CP está há muito em falência técnica, apresentando um valor de capitais próprios negativos de 2,2 mil milhões de euros, o que exigiria a sua insolvência imediata, com consequente encerramento da mesma, caso não houvesse investidores dispostos a aceitar a aquisição da empresa. 


Este constante aumento do endividamento é consequência dos prejuízos da sua exploração e da falta de investimento que o accionista Estado tem demonstrado, ao não cobrir prejuízos. O passivo total é de 3,8 mil milhões de euros, sendo um valor incomportável para uma empresa que factura 200 milhões de euros ao ano e tem despesas de 400 milhões euros também ao ano. Pelas razões expostas, consideramos que esta empresa também deveria ter sido incluída nas contas do Estado Português.

Citando Marcello Caetano,  "No sector dos transportes cai sobre o Estado a responsabilidade inteira dos caminhos de ferro, embora subsista a CP (Caminho de Ferro Portugueses) com a aparência de sociedade anónima. A verdade é que há muito que o Estado cobre integralmente os deficits de exploração ferroviária e proporciona os capitais necessários para investir na renovação da via e do material circulante. (...) Para manter o caminho de ferro o Estado despende em subsídios anuais à roda de um milhão de contos: e cada vez que havia um aumento de salários, era o Estado que tinha de suportar o maior peso dele, dado ser inconveniente agravar demasiadamente as tarifas. (Marcello Caetano, Depoimento, 1974, página 111) 

Fica aqui explicado que a CP é uma empresa que dá prejuízo desde sempre, por prestar um serviço totalmente público, mas a diferença reside na forma como o Estado encara as suas obrigações na liquidação das dívidas da mesma. Ou assume as dívidas e liquida-as, ou então descarta responsabilidades, exigindo à CP que obtenha os empréstimos para financiar os constantes défices de exploração. Esta tem sido a solução desde há 3 décadas, sendo perceptível que este caminho do endividamento terá inevitavelmente um fim à vista.

De referir que à data da citação anterior, o universo CP incluía a actual REFER, já que era uma só empresa. Mais recentemente, o Estado criou a CP Carga SA, subdividindo ainda mais a CP, dando condições para que mais uma empresa estatal se possa endividar para financiar os seus constantes prejuízos sem sobrecarregar a já falida CP.
Se juntarmos CP e REFER, o Passivo das duas empresas em 2009 totaliza aproximadamente 10 mil milhões de euros.

Também outras empresas públicas ficaram de fora nas novas contas do Estado português, por exemplo a Carris e os STCP (Serviços de Transporte Colectivo do Porto). Também estas empresas prestam um serviço totalmente público, apresentam prejuízos ano após ano, capitais próprios negativos e aumento constante do seu endividamento.

A equipa editorial "caseira"