Fomos confrontados esta semana com mais uma notícia que revela a dificuldade dos seres humanos, mesmo aqueles que se julgam a elite, em serem sérios e íntegros quando vivem num mundo diário de conflito de interesses.
A Libor é uma taxa de juro de referência que é gerida pela British Bankers Association (BBA). Desta associação fazem parte alguns dos maiores bancos britânicos e mundiais.
Diariamente os responsáveis destes bancos emitem a sua opinião sobre qual deverá ser a taxa de juro de referência. e assim se forma a Libor. O mesmo acontece com a Euribor, que serve, ou serviu, de referência a muitos dos empréstimos que foram concedidos à economia nacional.
O escândalo ocorreu quando se descobriu que gestores do Barclays e do RBS manipulavam há muito tempo estas taxas para valores artificialmente baixos, dando indicações que não consubstanciavam a realidade, mas sim as necessidades específicas desses mesmo bancos, nomeadamente para seduzir compradores a investir em produtos derivados com aquela complexidade que a maioria do povo não chega lá. Pelos vistos, muita gente foi enganada.
O que os legisladores talvez não tenham percebido é que permitir este tipo de planificação centralizada a banqueiros é um erro logo na sua origem. Coloca-os numa terrível posição de conflito de interesses. Se tudo corresse bem e não houvesse crise financeira em 2008, talvez estes aguentassem o conflito, mas a partir do momento em que a crise financeira gerou imensa desconfiança no mercado interbancário, o conflito passou para outro nível, insuperável para o comum dos mortais.
A Libor, como a Euribor, são taxas de juro que servem de base para a compra e venda de dinheiro sem recurso a colateral, ou seja, unsecured debt. Este mercado de dívida tem perdido vigor nos últimos anos devido à crescente desconfiança entre banqueiros, mas paradoxalmente, as taxas de juros continuam escandalosamente baixas.O normal seria estas subirem até encontrarem o equilíbrio entre o ímpeto de quem vende e de quem compra.
Mas porque é que não subiram?
Acreditamos que tenham sido as taxas de juro dos bancos centrais do Ocidente, também essas artificialmente baixas, a roçar os 0%;
E o ímpeto dos seus governadores (nomeados por políticos) em emprestar quantidades infinitas de dinheiro a qualquer banqueiro que lá fosse pedir.
O BCE e o Bank of England estarão sempre lá para nos financiar, so why be worried?
É o que dá querer "estimular" a economia e o crescimento.
São manipulações em cima de manipulações, com umas fraudes pelo meio, até à capitulação final.
A Libor já era desprezada pelo mercado interbancário, na medida em que os empréstimos entre bancos começaram a passar para os mercados repo, onde há colateral e garantias pelo meio: secured debt.
Já há poucos banqueiros credores a confiar nos banqueiros devedores que apenas honram os seus compromissos ao escreverem e assinarem um contrato.
Foram as próprias taxas de juro a 0% dos bancos centrais que permitiram aos bancos privados endividarem-se infinitamente para comprar ativos sem ter em conta o reforço dos capitais próprios. Não acreditavam que algum dia esses ativos poderiam desvalorizar. Pois esse dia já chegou e da extrema confiança passámos para a extrema desconfiança.
Não nos espantaria se se descobrisse caso semelhante na formação do juro da Euribor.
(atualização: também foram descobertas manipulações no mercado Euribor) Notícia aqui
Mas os media não puxaram muito pelo assunto, na medida em que a fraude manteve os juros baixos, beneficiando muitas famílias e empresas que contraíram esses créditos, ou seja, é uma notícia pouco sumarenta. Se a manipulação fosse para cima, aí sim, o banho de sangue teria outras proporções.
O poder da formação de preço do dinheiro deveria estar nas mãos do mercado.
Contudo, mesmo num mercado livre, a ocorrência de enganos e fraudes continuará a ser uma realidade, mas com a vantagem de se descobrirem muito mais depressa, evitando proporções bíblicas.
Não vale a pena pedir mais regulação, mais fiscalização ou mais penalização criminal. O poder desta formação de preço deveria estar entregue ao mercado, ou seja, se eu quisesse ir pedir dinheiro emprestado a um banco, essa transação seria apenas e só sujeita aos nossos critérios, e se não estivesse satisfeito com as condições, ia bater a outra porta. Essa sim, seria a verdadeira formação do preço do dinheiro.
Se qualquer um de nós estivesse no lugar destes banqueiros, duvidamos que fôssemos muito diferentes, porque se o mercado nos "pedisse" para subir o juro de 1% para 2, 3 ou 4%, tais medidas colocariam os seus bancos em insolvência num ápice.
Quem é que está disposto a ser íntegro com um nível de conflito de interesses desta dimensão?
Tiago Mestre
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