19 de junho de 2012

Mercado de obrigações soberanas: (Parte 2)

Em resposta ao comentário do Ricciardi no post anterior:

Ricciardi, fico satisfeito por comentares no Contas. Leio de vez em quando umas coisas tuas no Portugal Contemporâneo e trazes visões práticas das coisas, que eu muito prezo.

Estou de acordo contigo de que o BCE ir ao mercado secundário é uma fantochada, ineficaz, aumenta o balanço do BCE sem efeitos práticos e é ILEGAL pelo artigo 123º do Tratado de Lisboa.

Ir ao mercado primário é ilegal também, mas pelo menos afugentaria os bond vigilantes com as suas posições short (concordo contigo). Mas mesmo assim, o BCE não deve ir aos leilões primários porque:

- aumenta ainda mais o seu balanço, tornando-o ainda mais alavancado, já vai em 33x, equivalente ao de um banco totalmente especulador, tipo Wall Street.
- Promove inflação porque imprime pela calada, o que é imoral e cobarde (noções muito importantes para mim), descredibiliza o euro e o próprio BCE, até ninguém lhes reconhecer confiança nenhuma.
- Bastará reportar 5,5% que seja, em prejuízos nas Obrigações Soberanas e no LTRO que JÁ DETÊM, que o seu balanço torna-se imediatamente insolvente: só possui 85 mil milhões de capital/reservas.

O BCE É JÁ HOJE UMA INSTITUIÇÃO FALIDA, porque se aplicasse o Mark to Market em vez do Mark to Fantasy aos seus ativos, os 85 biliões não chegariam para compensar as perdas. Mas Draghi é que sabe.
Nas condições atuais, a Reserva Federal com o TARP, os QE, os SMP e o Twist já foi ultrapassada em ativos pelo BCE.
Imagina se o BCE se põe agora a comprar mais 300 ou 400 mil milhões de dívida espanhola e mais 600 ou 800 mil milhões de dívida italiana. O € será o próximo alvo a abater porque ninguém quererá ficar com euros quando se sabe que o BCE usa e abusa da sua moeda. O dólar já está a levar porrada no Oriente, com as transações diretas entre Japão e China, Rússia e Irão, Índia, etc, etc.

É esta a solução milagrosa que Mário Soares anda agora a pedinchar, esse grande estadista.

- Adia a correção do défice nos países que mais abusaram, em que Portugal se inclui, e isso é que é o pior de tudo. Se não fosse a austeridade exigida pela Alemanha continuaríamos a abusar até haver uma revolução no país. Os políticos não se contêm e para eles o céu é o limite.

Por mim a troika não deveria ter emprestado um cêntimo a Portugal. Obrigaria a corrigir o défice num espaço muito mais curto. Seria muito doloroso sem dúvida, muito caos iria haver sobretudo nas zonas urbanas, reconheço isso, mas o ajuste seria rápido e sem hipótese de contra-argumentar nem fazer polítiquice como andam agora os partidos de esquerda a fazer.

Se reparares, no 1ª quadrimestre Portugal aumentou a despesa face a 2011! Baixou as despesas primárias em 330 milhões (não foi mau) mas os juros aumentaram 600 ou 700 milhões. Lá se foi a austeridade pelo esgoto abaixo. Para atingir o défice de 4,5% em 2012, Vítor Gaspar está a contar com os cortes nos subsídios dos funcionários públicos e no aumento generalizado dos impostos. Esta trajetória é curta, não chega. Os impostos terão que descer para que a coleta não exceda 50 mil milhões e a economia privada respire, como já falámos aqui. Gaspar ainda anda hoje a aumentá-los.
É uma austeridade que nem chega a sê-lo, e pelo caminho desmotiva uma Nação inteira e dá espaço de manobra ao PS, ao BE e ao PCP para ganharem eleitorado, aniquilando as hipóteses de manter a austeridade no médio prazo.

Défice zero significa NÃO TER DE PEDIR MAIS EMPRESTADO AOS MERCADOS. Só assim é que eles voltarão a dar-nos credibilidade e quererão emprestar-nos dinheiro. Foi isso que Salazar fez, pagou as dívidas emitidas pela Monarquia,  pela 1ª República e ficou com a faca e o queijo na mão. Te garanto que nessas condições muitos investidores quereriam cá meter dinheiro. Aliás, não foi por acaso que Portugal cresceu em média 7-8% ao ano na década de 60.
Teremos que ficar mais pobres hoje (deixar de viver do crédito insustentável) para termos a oportunidade de correr o risco de ficarmos mais ricos amanhã, ou seja, o consumo terá sempre que igualar a produção, e quanto mais depressa subirmos o valor da produção, menor terá que ser a redução no consumo (poder de compra).
É por isso que o regresso à agricultura e outras tendências sociais do género serão uma inevitabilidade. Teremos que trabalhar com o que temos e não com o que não temos. É lixado, mas tem mesmo que ser..

Tiago Mestre

3 comentários:

Vivendi disse...

É bom ter o Ricciardi por aqui. Um dos comentadores mais interessantes da blogosfera.

Anónimo disse...

Um SALAZAR em cada canto, apenas nas casas dos desgovernados!!! Se quisermos um Salazar, para fazer o mesmo que o outro fez, com proliferação de proteccionismo de estado para com as mais irrelevantes tendências de progresso, então acho que devemos olhar de lado. Não se pode usar o estado para proteger quem venha a dar empregos aos Portugueses!!! Foi isso que nos trouxe até aqui, e o mais incrível é que este regime demonstrou à saciedade, ao que nos levou as ideias de Salazar até às últimas consequências!!!
Não mais spill overs proteccionistas de histórias da carochinha!!!

Tiago Mestre disse...

Caro anónimo, trata-se tão só de invocar um exemplo que tivemos em Portugal de um governo que decidiu proteger a moeda com tudo o que tinha. Essa proteção valeu credibilidade, e a credibilidade valeu segurança a quem cá queria investir.

Sobre a política de Salazar, tentei sintetizar no blog do vivendi a minha ideia. Desde há 3 anos que estudo por curiosidade essa época e o que movia Salazar para fazer o que fez.

http://vivendi-pt.blogspot.pt/2012/06/o-fantasma-economico-de-salazar-parte-2.html