3 de maio de 2012

Podemos aprender com o Estado Novo? Ou ainda é tabu? (Parte 2)

Com este post daremos a conhecer um dos textos que mais nos deixou "sem respiração" do livro que compila as entrevistas do jornalista António Ferro a Salazar.
Juntando a capacidade de previsão de Salazar à época com as comparações daquela realidade internacional com a de hoje tornam o texto uma peça de elevada riqueza sociológica.
Só a permanente bajulice de António Ferro é que era dispensável!

Sentem-se e tragam as pipocas:

Ano: 1933, logo após a Conferência Económica de Londres, que reuniu 66 países na tentativa de conjugarem políticas que os fizessem sair da depressão de 1929-1932.

"Nacionalismo ou Internacionalismo Económico?

Deixámos, há muito, as últimas casas de Santa Comba Dão. Estamos em plena Beira. A paisagem em socalcos, aproveitadinha até aos mínimos repregos, presta homenagem silenciosa e expressiva, ao reformador do orçamento português...
Volto à Conferência de Londres e aos seus problemas:

- É partidário duma política proteccionista aduaneira ou dum franco internacionalismo económico?

E Salazar, sacando dos seus óculos escuros, que o defendem da poeira e da luz:

- Tarifas moderadas, educativas, que não constituam nunca uma proibição nem atmosfera para se desenvolver o parasitismo económico. Eu defendo um nacionalismo económico, sim, mas que não esquece o nacionalismo económico, igualmente legítimo, dos outros países... Eu sei que este escrúpulo, este respeito excessivo pelas necessidades estranhas, não é do nosso tempo, mas julgo, precisamente, que esse egoísmo condenável é a causa fundamental do profundo desacordo económico e financeiro que embaraça a narcha da Europa e do globo. O que falta, sobretudo ao mundo contemporâneo, é aquela indispensável moral internacional, sem a qual não há confiança nem harmonia possível. Compromissos, tratados, acordos são letra morta, em geral, e fazem-se... para fazer alguma coisa, sabendo-se já que não vão ser cumpridos, para entreter, para passar o tempo, como as criancinhas que fazem carapuças ou barquinhos de papel...

Compreende-se lá a desfaçatez com que certos países gelam, repentinamente, os créditos alheios ou desvalorizam a sua moeda a 0 ! A chave da crise, acredite-me, está nesse egoísmo, nessa condenável indiferença pelos interesses dos outros... As dificuldades económicas, quanto a mim, devem ser resolvidas, efectivamente, no quadro nacional, mas subordinando a solução, para seu próprio interesse, a uma necessária colaboração internacional. Essa colaboração, eu sei, obriga-nos, por vezes, a sacrifícios, mas só ela pode trazer a confiança e com esta o novo equilíbrio. Trabalho em obediência a estes princípios, e pago - paga o País, o que isso, por vezes, custa. O único dinheiro que na gerência das finanças públicas tenho a consciência de ter perdido ou de não ter salvo foi o que deixei em Londres, quando do abandono do padrão-ouro. Para mim é certo que a Inglaterra entrou na crise da libra com espírito diferente do que depois veio a ter: abandonou o outro porque não pôde aguentar-se. Eu podia, com pequeno prejuízo, ter feito a transferência de depósitos para outros países. Mas o dever não era, nesses momentos, agravar dificuldades; era evitá-las, por elegância e lealdade. E o mesmo tenho feito, dentro da nossa pequenez, noutros casos e com outros países. Devo dizer-lhe, porém, que me sinto isolado na Europa e que acabarei, possivelmente, por fazer o que os outros fazem...

- Para defender os próprios interesses nacionais... - sublinho.

- Sem dúvida! - replica Salazar com vivacidade - mas bastante contrariado e com pena de que o Mundo não compreenda que essa moral, que ele abandonou, é um ponto de apoio tão necessário à vida das nações como à vida das sociedades. A única forma de remediar a crise de qualquer país enfermo é ter confiança nas suas possibilidades de cura e não olhar como se ele já estivesse morto. Não esqueçamos que as corridas intempestivas aos bancos, quando os bancos não estão falidos, são perigosíssimas, porque podem, efectivamente, trazer-lhes a falência...

Digo com admiração:
- Linguagem nobilíssima, heróica, mas que a nossa época desvairada não pode entender...

E Salazar, com irónica mas triste resignação:
- Tem razão... eu sei que isto já não é do nosso tempo, ou não é ainda do nosso tempo. Foi, porém, assim, não há muitos anos, e as crises não se manifestaram tão agudas nem tão conflituosas. a moral, quer entre os indivíduos, quer entre as nações, é sempre o equilíbrio, a saúde. Vou mais longe: poderá haver moral individual sem haver moral internacional? Que pode fazer uma sociedade que recebe esses péssimos exemplos de tão alto? As relações entre os indivíduos acabam por ser o espelho das relações entre as nações... A desmoralização internacional estimula e justifica a própria desmoralização nacional e individual"


Todos sabemos o que germinava na Alemanha nesta época e como tudo se desenrolou, certo?

Tiago Mestre

3 comentários:

Vivendi disse...

Brilhante!

Tabu só na cabeça dos pequenos.

Filipe Silva disse...

Excelente iniciativa, em Portugal este período da nossa história é tabu, nunca se fala sobre ele, e os de esquerda dizem sempre que o Salazar era um indivíduo de inteligência limitada.

Assim aprendo algumas coisas sobre este período

vazelios disse...

Imaginem esta mentalidade/inteligencia economica aliada com uma boa preocupação social e de liberdade de expressão, juntando a educação não só academica mas civica das pessoas.

O portugal ideal?

Faltaram algumas (importantes) partes. Mas culturalmente vê-se que muita liberdade em Portugal dá nisto