23 de maio de 2012

Será mais crédito a solução para a nossa economia? Humm..

Caros leitores e leitoras, temos ouvido em demasia nos canais de comunicação social vários "especialistas" a pedir que haja mais crédito concedido à economia, porque esta está desesperada desta fonte de "riqueza".

Só para desmistificar: se assim o fosse, então os nossos exportadores estariam a reduzir as suas exportações, e não a aumentar!

Lamentamos que esta ideia tenha ganho aderência, porque de facto ela não reflete a realidade, e os exportadores aí estão para o comprovar.
Mas há já quem argumente que caso houvesse mais crédito, então os exportadores venderiam ainda mais.

Quem fala sobre estas coisas não pode ter muita experiência a gerir empresas, ou se a tem, escapou-lhe o essencial na arte da gestão.

Antes da haver crédito barato e abundante, os empresários portugueses precisavam sempre, mas sempre, de recorrer a fundos internos para financiar a atividade: ou através de injeção de capital social ou com lucros transitados do exercício anterior. Por muita vontade que os empresários tivessem em gastar o dinheiro que não tinham, a realidade impunha-se com uma força tal que rapidamente os fazia descer à terra.

Os bancos só emprestavam, e a juros elevados, caso o dinheiro fosse emprestado a gente muito séria, com um passado imaculado ou quase, e que servisse para efetuar investimentos reprodutivos, ou seja, que se pagasse a si mesmo e ainda se traduzisse em lucros para o proprietário.

Emprestar dinheiro era uma atividade de risco muito bem calculado, sendo a taxa de juro o barómetro desse mesmo risco.

Mas entretanto com a entrada do euro a coisa abandalhou-se: o crédito deixou de servir para investimentos reprodutivos e espalhou-se para todo o tipo de transações. Os empresários, sequiosos de gastar o que não tinham, começaram a usar dinheiro emprestado para financiar parcialmente atividades correntes, como pagar a fornecedores, salários, impostos, recolha de lucros, dividendos, etc, etc. Quando esta nova realidade se impôs, ninguém se apercebeu da armadilha em que tinha caído, porque mantendo um bom nível de crescimento de vendas, dinheiro emprestado era coisa que não faltava e falta de liquidez era algo de verdadeiramente ridículo.

Os próprios patrões, muitos deles enriqueciam de um dia para o outro: usavam e abusavam da liquidez "infinita" da empresa para financiar todo o tipo de gastos pessoais e familiares. Sabemos de casos em que se chegou a meter nas contas o vestido da noiva...
Automóveis topo de gama adquiridos a crédito, com "suaves" prestações de 600 e 800 euros por mês permitiam fazer vida de rico e mostrar o poder da nova burguesia.

Mas algo de negativo germinava no balanço das empresas. Os rácios de solvabilidade e autonomia financeira degradavam-se cada vez mais, colocando-as num patamar cada vez mais precário. Com uma pequena oscilação nas vendas e na rentabilidade, rapidamente a empresa assumia uma trajetória de colisão com a realidade no médio prazo.

E se a década de 90 ainda foi um maná para muitos empresários, a década de 2000 só já o foi para alguns. Apesar do crédito ter sido mais do que abundante até 2008, a economia já encolhia fortemente em comparação com a década de 90. Era o crédito que mantinha muitas empresas levitadas, não por serem fortes e altamente produtivas, mas porque PAGAVAM DESPESAS CORRENTES ROUBANDO ENERGIA AO FUTURO.

As contas caucionadas, por serem difíceis de gerir e fáceis de utilizar e esgotar, foram um instrumento financeiro que promoveu esta trajetória insustentável.

Os créditos tipo bullet, em que só se paga o capital ao longo da maturidade e a juro paga-se de uma só vez na última prestação, também ajudaram a adiar as decisões difíceis. Mas esta extravagância financeira só estava acessível a grandes empresas ou semi-públicas, como chegámos a ler no Relatório e Contas do Metropolitano de Lisboa no exercício de 2009.

O crédito barato adiou as decisões difíceis, tanto na mente dos empresários como na mente dos políticos em relação às contas do Estado.
Se a restrição de crédito tivesse ocorrido mais cedo, teríamos ajustado a economia com um desemprego muito mais baixo, rácios de endividamento inferiores, setor produtivo com mais peso no PIB e menor dependência do exterior. Numa expressão: teria sido menos difícil mudar de vida.

Por cada dia que passa em que adiamos as decisões difíceis, as variáveis acima descritas degradam-se mais, tornando o futuro ajustamento cada vez mais penoso. Corremos o risco de adiar tanto no tempo as reformas difíceis que quando acabar a "teta" para chuchar, já não teremos nem portugueses nem empresas para reestruturar.

O crédito é um veneno porque relaxa as preocupações de quem tem responsabilidades!

Para os empresários, 2008 torna-se no ano em que o crédito entra no seu canto do cisne: começou por ser mais caro, e a partir de finais de 2010 passa a ser fortemente restringido.

Para os políticos as coisas continuam mais ou menos na mesma:
Se não há crédito privado há a TROIKA: mais um balão de oxigénio enquanto nos enterramos dia-a-dia em mais dívida... Dizem as más línguas que o 2º resgate é inevitável e já vem a caminho.

Com este artigo chegamos à conclusão que o crédito pode ser útil, mas em situações muito específicas e altamente rentáveis, ou seja, a energia que ao futuro pedimos, ao futuro entregaremos.

Os empresários e bons gestores, se quiserem ser dignos desses nomes, devem apresentar balanços das suas empresas, sobretudo aquelas com mais de 5-6 anos de atividade, em que:

Autonomia financeira é superior a 35%
Solvabilidade superior a 75%
Liquidez geral superior a 100%
Rentabilidade líquida do exercício superior a 5-8%, dependendo da atividade.

O resto é conversa e pato-bravismo!

Tiago Mestre

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