4 de maio de 2012

Podemos aprender com o Estado novo? Ou ainda é tabu? (Parte 3)

Depois do post de ontem que colheu simpatia e certamente algum espanto a muitos leitores, transcrevemos hoje outro texto, mas sobre um assunto muito mais caro à nossa sociedade: a liberdade de imprensa e as justificações da censura.
Boa leitura!

"O Problema da Censura

- Dentro do período eleitoral que, mais tarde ou mais cedo, há-de naturalmente seguir-se a promulgação da Constituição, será permitida a propaganda livre das ideias? Não terá chegado o momento, por exemplo, de acabar com a censura?

- Eu compreendo que a censura os irrite - responde-me o dr. Salazar - porque não há nada que o homem considere mais sagrado do que o seu pensamento e do que a expressão do seu pensamento. Vou mais longe: chego a concordar que a censura é uma instituição defeituosa, injsta, por vezes sujeita ao livre arbítrio dos censores, às variantes do seu temperamento, às consequências do seu mau humor. Uma digestão laboriosa, uma simples discussão familiar, podem influir, por exemplo, no corte intempestivo duma notícia ou da passagem dum artigo. Eu próprio já fui em tempos vítima de censura e confesso-lhe que me magoei, que me irritei, que cheguei a ter pensamentos revolucionários...

Por que não a revoga, nesse caso?

- Não o fazemos pelas razões que lhe direi, mas tentamos reduzir a sua acção ao indispensável. Não é legítimo, por exemplo, que se deturpem os factos, por ignorância ou má fé, para fundamentar ataques injustificados à obra dum Governo, com prejuízo para os interessados do País. Seria o mesmo que reconhecer o direito à calúnia. Os factos são os factos e não pode permitir-se que se ponham em dúvida os actos ou os números que traduzem a própria vida do Estado, se há quem se lembre de fazê-lo, como em Portugal. É uma questão de decoro e dignidade pública. Podem discutir se as directrizes e os princípios de uma política, da política financeira, por exemplo, mas quem é que na Inglaterra ou na Suiça, ou em qualquer país culto, se lembraria de pôr em dúvida as próprias contas do Estado? Chega-se a acusar o Estado, por acinte ou por falta de informações, de não fazer o que já está fazendo ou até de não fazer o que já está feito... Não se justificará a censura, neste casos, como elemento de elucidação, como correctivo necessário? Para evitar o mais possível o trabalho da censura neste domínio, penso em criar um gabinete de informação  a que os jornais poderão recorrer, quando quiserem, para se munirem de elementos necessários à análise, e até à crítica, da obra do Governo. Mas confesso não ter demasiada fé na instituição, porque já fiz uma ligeira experiência que não deu nada. Para evitar mal entendidos, erros compreensíveis, por vezes, em matéria tão delicada como a de Finanças, pus o gabinete do meu ministério, desde a primeira hora do meu Governo, à disposição dos jornalistas que desejassem esclarecer-se. Pois em quatro anos creio que apenas dois se aproveitaram deste oferecimento. Isso não impedia, no entanto, que se continuassem a dizer as maiores barbaridades sobre matéria que não pode nem deve ser sujeita a devaneios ou fantasias.

- Seria esse gabinete de informação, em todo o caso, o primeiro passo para a abolição da censura? - pergunto com certa esperança.

E Salazar, desbravando terreno, caminhando passo a passo:

- Vamos devagar... Temos agora o aspecto moralizador da censura, a sua intervenção necessária nos ataques pessoais e nos desmandos de linguagem. A nossa Imprensa, que tem melhorado consideravelmente, oferecia-nos, por vezes, nalguns dos seus orgãos, a triste imagem dum saguão: intrigas, insultos, insinuações, pessoalismos, provincianismo, baixa intelectualidade. Ora, o jornal é um alimento espiritual do povo e deve ser fiscalizado como todos os alimentos. Compreendo que essa fiscalização irrita os jornalistas, porque não é feita por eles, porque se entrega esse policiamento à censura que também pode ser apaixonada, por ser humana, e que significará, sempre, para quem escreve, opressão e despotismo. Mas vou oferecer-lhes uma solução para este problema, para esse aspecto da questão: porque não se cria uma Ordem dos jornalistas, como se criou uma Ordem dos advogados. Dessa forma, o papel moralizados da censura passaria a ser desempenhado pelos próprios jornalistas e dentro da sua classe. "


Ainda ontem se comemorava o dia da liberdade de imprensa, tendo o Contas publicado um post que relevava a ausência de mediatismo de uma notícia considerada "positiva" para o governo.

A liberdade é um instrumento fundamental na nossa sociedade, mas sujeito a desgaste e a erosão pode acabar por se eclipsar. Cuidado!

Tiago Mestre

1 comentário:

Vivendi disse...

É evidente que a censura hoje não podeia ter a mesma força daquele tempo. Mas as raízes são as mesmas do passado. O discurso da verdade é sempre díficil.

Obrigado por estes posts de "tabu" e que venham mais.