Caros leitores e leitoras, à medida que os eventos vão ocorrendo, novas ideias e conclusões vamos tirando do que se está a passar.
Não é fácil prever como as coisas se irão desenrolar, contudo há motivos e razões suficientemente fortes que nos ajudam a compreender a direção dos acontecimentos:
Julgamos perceber minimamente o jogo de forças entre a Grécia e a UE, a Alemanha e a UE, o BCE e os Estados membros, os banqueiros e o BCE, passivos vs ativos, etc, etc.
Só depois de perceber este jogo de verdades e dissimulações, ou seja, estudar o passado, é que podemos dizer que, caso não haja nenhum epifenómeno, o futuro continuará a ser a mesma "carpete" de passos que foi o passado.
As "soluções" que a Europa encontrou para "resolver" o problema das dívidas soberanas foi sempre um mecanismo de aparências, na tentativa de restaurar a confiança dos mercados. Bastaria a reposição da confiança para que os investidores retomassem a sua atividade diária de aquisição de dívida e de ativos europeus. Basicamente, a falta de liquidez era o único problema na cabeça dos governantes, e esta combate-se com: liquidez forçada, sobretudo vinda do BCE ou de fundos que pedem emprestado ao planeta baseando-se na garantia da Alemanha.
A insolvência nunca esteve em cima da mesa nas mentes europeias... até Março, com o perdão unilateral da dívida grega. Mas mesmo este perdão ficou ferido de morte: foi apenas para alguns, para aqueles credores privados que aceitaram o acordo. Para os que não aceitaram o acordo, como o fundo soberano da Noruega e outros, e para os que se recusaram desde o início a assumir perdas, como o FMI e o BCE, nada lhes aconteceu, porque os pagamentos dos juros e do capital continuam a ser realizados.
A lei "deveria" dizer que a insolvência atinge todos aqueles que se encontram nas mesmas circunstâncias, ou seja, quem possui obrigações "iguais" perante a lei, sofre da mesma maneira. Como todos sabemos, não foi esse o caso. O FMI e o BCE puseram-se logo de fora, "impossibilitados" de assumir perdas por serem entidades isentas desse tipo de chatices. Os investidores até poderiam aceitar este cenário inaceitável, caso ele "resolvesse" o problema.
Mas como não resolveu nada e o cenário repetir-se-á no futuro, nenhum investidor quer ficar na linha de espera ver a sua riqueza eclipsar-se e a de outras entidades não, só porque os governantes assim o decidem.
Quem pode, foge, claro!
Como já aqui escrevemos, em 2 anos de políticas totalmente erradas, mentiras sucessivas e cenários cor-de-rosa, as populações esvaziaram a sua confiança nos governantes. Em 2010 foram os investidores que o fizeram, baseando-se em análises técnicas e estudos de mercado, antecipando as dificuldades dos governantes em acudir à crise. Em 2012 serão as populações, na medida em que foram acreditando nos governantes e na sua verborreia semântica. Mas ao fim de 2 anos temos a evidência empírica de que entre o que eles dizem e o que acontece na realidade - a bota não bate com a perdigota.
A fuga de capitais dos bancos, já em marcha silenciosa na Grécia desde há uns meses, contagiou-se para o resto da periferia.
Em primeiro lugar são os investidores institucionais, aqueles a quem o dinheiro não reconhece pátria, seguindo-se os particulares, os cidadãos do país, que, à falta de possuírem contas bancárias noutros países, veêm-se na contingência de levantar o dinheiro em numerário e guardá-lo algures, mas sem ser no banco. Curiosamente, em Portugal os portugueses até reforçaram os seus depósitos, certamente pelo apelo que os bancos fizeram e pela ignorância generalizada da população, que teima em não acreditar que coisas piores acontecerão. Talvez seja esta capacidade de conviver com a desgraça, sem perder a fé nem a esperança num futuro melhor, que nos permitirá sair desta alhada com menos danos colaterais do que os nossos vizinhos europeus, mesmo os mais ricos.
Aqui está um exemplo da nossa veia mais católica em oposição ao racionalismo protestante europeu. Não é por acaso que a nossa independência perdurou, mesmo com algumas suspensões de curta duração, durante tantos séculos. Perdurará mais uma vez, certamente.
A hipótese real da Grécia sair do Euro, e as permanentes tergiversações dos líderes europeus sobre esta matéria só adensam a desconfiança dos cidadãos, e se assim é com a Grécia porque será diferente com os restantes países da periferia? Em Espanha, o Bankia perdeu 4 mil milhões de euros em depósitos de quinta para sexta-feira. A hemorragia já estava ocorrendo quando os líderes do G8 jantavam ao som da Liga dos Campeões e mais ainda no outro jantar desta semana, entre os líderes da zona euro. Foram os institucionais a fazê-lo, certamente, enquanto as lideranças discutiam assuntos totalmente anacrónicos face à nova realidade que até dá pena, como as EUROBONDS.
Seria impossível em menos de 24 horas levantar 4 mil milhões de euros em numerário pela população espanhola, e caso fosse possível, seria impossível que não se desse por isso.
É esta a nova realidade europeia, uma realidade que conjuga a incapacidade dos governantes em lidar com o problema, porque há muito que deixou de ser um problema para se tornar numa inevitabilidade, e a desconfiança das populações no sistema e naqueles que o gerem.
Para quem se interessa pela década de 30 do século passado, parece que estamos a viver um deja vú, com a agravante de que hoje o mundo é realmente globalizado, somos 9 mil milhões de criaturas, as dívidas mundiais eclipsam mais de 10 vezes o PIB mundial e os recursos naturais, nomeadamente o petróleo, motor da riqueza ocidental, produz-se longe, em países instáveis, e é hoje muito caro, refletindo a incapacidade dos produtores em entregar a quantidade desejada pelos consumidores.
Com a total liberdade no movimento de capitais, os institucionais farão tudo para se protegerem, e nada os impedirá de tal desígnio. Transferirem a sua riqueza de um banco italiano ou espanhol para outro de Hong Kong está à distância de click. As autoridades europeias já pensaram certamente nisto, e não demorará muito até se ventilar a ideia da imposição do controlo de capitais, à boa maneira do planeamento centralizado. Será uma política que falhará redondamente, tanto por ser ineficaz como por amedrontar ainda mais os investidores, reforçando ainda mais a sua ineficácia. Talvez nunca venha a conhecer a luz do dia, mas a planificação centralizada em concordância com as grandes instituições privadas europeias ganha terreno a cada dia que passa. É uma espécie de Fascismo Liberal, que, como todas as grandes planificações, esboroar-se-á por não respeitar as leis da natureza e da gravidade.
A desconfiança, sendo ela uma ideia agarrada a um sentimento, é como um vírus que se propaga exponencialmente. E já todos nós sabemos o resultado de curvas exponenciais.
A semana que hoje começa promete...
Tiago Mestre
1 comentário:
as dívidas mundiais eclipsam mais de 10 vezes o PIB mundial e os recursos naturais
agradeçam as reservas fracionárias dos bancos. Como se paga dívida se o dinheiro é criado do nada???
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