14 de maio de 2012

Crise financeira: De quem é a culpa? Dos políticos? Ou dos mercados?

Este artigo é um pouco maior. A história é longa e convêm ser minimamente bem contada!

Desde 2008 que o mundo assiste quase que incrédulo a tudo o que se está a passar nas economias dos países ocidentais. Primeiro foi a recessão em 2009, seguida de estímulos, muitos estímulos.
2010 teve os resultados desses estímulos: algum crescimento e muito, muito endividamento, sobretudo público.
Em 2011 o tal crescimento proveniente dos estímulo começou a esfumar-se.
E 2012 entra em ação com vários países da UE em recessão, e os que não acusam, crescem umas magras décimas acima de zero.

Pergunta: Por que é que desta vez não é como no passado, em que uns pozinhos aqui e acolá do lado público permitiam à economia regressar ao seu crescimento normal, como sempre fora?

Desta vez já não é assim porque para tudo na vida há um limite. Os recursos são finitos e os metros quadrados de superfície terrestre também o são. Crer que há sempre terreno à nossa espera e pronto a utilizar tem sido o "milagre" na salvação de períodos economicamente mais conturbados.

No século passado a classe política embrenhou-se de tal forma na condução das economias ao pknto de achar que nos períodos de recessão deveria interferir, redistribuindo riqueza na tentativa de estimular mais aqui em detrimento de acolá. Infelizmente também descobriu que poderia interferir HOJE recorrendo a energia que vinha do futuro, do AMANHÃ. Essa energia tem um nome: DÍVIDA.

E foi a má conceptualização por parte dos políticos acerca deste tipo de energia que acabou por deixá-los embalar naquilo que se tornou o maior logro das teorias económicas que promovem estímulo público à contração privada: É POSSÍVEL CORRIGIR OS CICLOS ECONÓMICOS.

E com a descoberta desta poção mágica podíamos chegar a outro tipo de conclusões:

Tornava-se possível promover políticas ditas sociais, prometendo sempre, ano após ano, a melhoria das condições de vida das populações, através da incorporação de subsídios, aumento de salários públicos e privados e novas infra-estruturas. Com esta redistribuição de dinheiro assegurava-se um certo socialismo equitativo, agradava-se aos eleitores, e a economia ainda beneficiava, já que mesmo em momentos de contracção, "arranjar" dinheiro vindo do futuro acelerava a recuperação do crescimento económico no presente.

Estava encontrada a fórmula económica perfeita das economias ditas liberais capitalistas. Certo? Errado!

O que talvez não tenha sido percebido pela maioria dos políticos é que quando estamos pouco endividados, uma pequena ajuda vinda do futuro auxilia muito o presente e pouco coarcta o próprio futuro. Mas a repetição mais acelerada desta operação apresenta um duplo efeito: afeta cada vez menos o presente e afeta cada vez mais o futuro.
E à medida que a operação se repete com cada vez maior frequência e intensidade, chega a um ponto em que pouco ou nada influencia o presente e destrói completamente o futuro.

Hoje é o futuro de há 5 anos, como há 5 anos era o futuro de há 10 anos. A fatura tinha que chegar algum dia. O nosso presente, futuro de ontem, apresenta-se já sem força nem energia para pedir mais ao futuro porvir. A fórmula atingiu o seu ponto de saturação, e da magia passámos ao pesadelo.

A saturação acabou por ser "descoberta" pelos credores, não por terem esgotado as suas reservas, mas por terem esgotado a sua confiança para connosco. Desconhecia-se quando descobririam, e tudo se fez para que a realidade fosse camuflada. O próprio Euro foi um disfarce maravilhoso, na medida em que sob o seu chapéu, investidores de todo o mundo acreditaram que a dívida grega a 10 anos possuía o mesmo risco que a alemã.

E foi o disfarce que agravou ainda mais os desequilíbrios, porque quando a percepção de risco é mal calculada, sofre o credor e sofre o devedor, na medida em que os cálculos não refletem a realidade económica do país.

Dum momento para o outro os credores descobrem o logro, e sem apelo nem agravo, decidem declarar num espaço de 2 anos que biliões e biliões de euros de dívida soberana são ativos tóxicos, ou seja, de fugir.

A classe política, lenta a perceber e ainda mais lenta a atuar, chega tarde e adia a resolução do problema, defendendo alguns julgando que assim protege o sistema.

Por nos termos endividado um pouquinho mais por cada dia que passa, o crédito virou descrédito, e a classe política tornou-se no devedor mais perigoso do planeta, e com toda a razão, dizemos nós, porque o que é um facto é que estes nunca se preocuparam em tornar o mercado de obrigações num produto financeiro sustentável. O stock de dívida crescia e ainda cresce na maior parte dos países ocidentais, e é hoje um dado adquirido que ninguém acredita que aquilo seja mesmo para pagar; vai-se gerindo, como alguém dizia.

Na conceção "filosófica" do mercado de obrigações, pressupõe-se que a emissão de dívida por parte dos políticos serve para cobrir despesas que não estão cabimentadas pela receita, e logo por aí há que desconfiar.
Poderia haver um ano ou outro em que recorrer à dívida serviria apenas para cabimentar uma despesa extraordinária ou uma quebra de receita ordinária, mas tal percalço teria que ser corrigido no ano seguinte ou através de um plano credível de pagamentos.

Sabemos que tudo resvalou muito para além deste caso simplista que descrevemos acima. A dívida tornou-se um mecanismo permanente de financiamento das despesas, levando até à exaustão a vontade política em prometer o que não devia.

Serão os "mercados" os culpados? Quanto muito serão cúmplices de alguns crimes, mas não mais do que isso. Não foram eles que forçaram os empréstimos, foram os políticos que dia sim e dia também pediram sem regra aos mercados que lhes emprestassem e que acreditassem na sua palavra, quando por trás nenhuma certeza podiam apresentar aos credores, a não ser o capital humano (contribuintes) que faziam parte do país ou região que lideravam.

O mercado de obrigações cresceu de ano para ano, sofisticou-se e tornou-se altamente apetecível para quem queria investir. Criaram-se instrumentos financeiros: o mercado secundário, os indíces de fundos soberanos, os índices de volatilidade, os respetivos derivados, os seguros contra incumprimento (CDS) e o chamado short selling, que beneficia quem aposta na queda do preço das obrigações mas que prejudica BRUTALMENTE caso subam, devido ao chamado margin call.

Para muitos países ocidentais, a dívida é hoje um mecanismo totalmente insustentável. Atrás da dívida vem o juro, e atrás do juro vem mais dívida, perpetuando-se o ciclo!
Portugal pagava 6 mil milhões de juros em 2007, hoje paga quase 9 mil milhões, tanto como a saúde ou a educação.  Pouco faltará para ultrapassar a barreira dos 10 mil milhões de euros. O juro ainda se paga, agora o capital, esse nem vê-lo, ou seja, o stock de dívida está sempre a aumentar. É como se nós pedíssemos um empréstimo e só pagaríamos os juros.

Para terminar, a economia é uma função da energia que o país consegue gerar. Essa energia vem dos recursos naturais e do talento humano da região confinada. A energia só se traduz em riqueza quando se torna útil para produzir algo que é do interesse de alguém.
"Viver acima das nossas possibilidades", como tantas vezes se diz, significa isto mesmo: consumir mais do que se produz, usar mais energia do que aquela que está disponível.

Tudo isto foi possível porque o futuro (a dívida) veio dar uma mãozinha ao nosso presente.

A correção já está em marcha, e infelizmente ela vem sobretudo do lado do consumo.

Tiago Mestre

5 comentários:

Filipe Silva disse...

Boas Tiago excelente post.

Gosto bastante e vou passar a utilizar o conceito energia da forma que o utilizas acho que é uma excelente forma de apresentar o argumento, melhor do que a que utilizava (consumo presente versus consumo futuro)

Algo que muitos dos proponentes da politica seguida nos USA argumentam é que os USA e Japão seguem esta politica e que a inflação não tem disparado e que não existe qualquer problema num sistema fiduciário a dita monetização da divida e que um aumento da inflação/desvalorização levaria a um aumento do emprego.

O que me leva a pensar que a maioria ainda não percebeu que o mundo mudou, já dizia o Sócrates, que com players como a China e India a competir pelos mesmos recursos, tendo estes mais população o tempo da energia barata acabou, logo para produzirmos o mesmo teremos de despender mais energia

Vivendi disse...

Espetacular post.

O problema só se resolve quando se destruir a indústria financeira.

A globalização interligou todo o mundo na fuga para a frente mas esgotou mais rapidamente o paradigma em que vivemos.

Obama supostamente ia combater isto e foi o maior bluff, aliás como são todos os políticos atuais. Restando agora espaço no futuro para os políticos nacionalistas.

Vivendi disse...

http://vivendi-pt.blogspot.com/2012/02/quadro-economia-real-vs-economia.html

O verdadeiro problema está aqui.

Tiago Mestre disse...

Barack Obama é mais um logro, e vai sair muito caro.

Bush gerava défices de 400 biliões de dólares.

Obama gera défices de 1,3 triliões de dólares

Adiar, adiar, adiar, adiar

Anónimo disse...

A finança mais que tudo, trabalha com o tempo. Se podemos vender o futuro, claro que podemos, trazer esse valor para o presente. ex: eu vou vender coisas que eu vou fazer amanhã, eu vou segurar riscos sobre valores que se imporão como realidade daqui a 5 anos, etc

****O problema das dívidas soberanas, deve-se só a más decisões financeiras internas (de um lado, há pouca inovação e desenvolvimento em sectores LÚCIDOS, do outro os incentivos são todos direccionados, para os pato bravos) e claro com a conivência de quem põe excedentes comerciais a render nos ditos "povos fraquinhos" (que por provincianice, lhes compra BMWs, electrodomésticos, etc).
Nunca se esqueçam: a dívida da PERIFERIA é uma espinha na garganta do FUTURO, enquanto que a dívida soberana dos ULTRAS é muito maior, e se por acaso desaparecerem desses países certas cabeças, lá se vai a relatividade das % de PIB, pelo cano abaixo. CUIDADO, MUITO CUIDADO...