11 de setembro de 2012

Novo programa de aquisições do BCE - tentativa de explicação

Caros leitores e leitoras, ainda não vimos na imprensa e nos blogs nenhuma explicação detalhada acerca do plano de Draghi em monetizar a dívida soberana europeia

Tal plano, pela importância que assume, deve ser devidamente explicado aos cidadãos europeus, e não apenas aos eurodeputados, como Draghi o tentou fazer.

Eis a nossa tentativa de explicação:

Na semana passada, Mario Draghi informou o Parlamento Europeu das sua intenções em monetizar a dívida de alguns países do Euro.
Como contrapartida, os países terão que se submeter a critérios rigorosos exigidos pelo próprio BCE, ou seja, austeridade pura e dura.
Com esta condição, a impressão de dinheiro tornou-se certamente mais fácil de engolir para alguns dos eurodeputados mais céticos.

O plano prevê que todo o dinheiro impresso seja esterilizado, ou seja, complementado com operações monetárias que tentarão anular os efeitos nefastos inerentes à expansão monetária: leia-se INFLAÇÃO.

A esterilização da expansão monetária não é coisa nova.
No tempo do LTRO, em Dez11 e Mar12, a concessão de empréstimos pelo BCE foi complementada, logo no dia seguinte, com a captação de depósitos remunerados a uma taxa de juro de 0,75%.
A ideia é esta:
Emprestou-se aos bancos privados dinheiro recentemente criado a 1% (expansão monetária)
Pediu-se a esses bancos ou a quaisquer outros que depositassem no BCE dinheiro que tenham disponível, sendo remunerados a uma taxa de juro de 0,75%.

Enquanto os bancos forem lá depositando o dinheiro em quantidade igual ou superior ao que o BCE emprestou no dia antes, pode-se considerar que a operação monetária foi esterilizada. É esta a história da esterilização.

DRAGHI'S PLAN

1º Os governos emitem dívida soberana que é adquirida pelos bancos privados

2º O BCE predispõe-se a adquirir esses mesmos títulos aos bancos privados

3º Para os comprar, o BCE imprime € fresquinhos e deposita-os na conta dos bancos

Com esta operação, os bancos ficam tristes, porque estavam a ganhar a yield das obrigações soberanas e ao venderem ao BCE a troco de € na sua conta não ganham yield nenhuma.

4º Para contornar esta questão, o BCE irá emitir dívida com uma determinada taxa de juro (bancos já ficam felizes) e maturidade de 7 dias, pedindo aos bancos para a adquirirem com os € que previamente lá tinha depositado.

Com este passo de mágica opera-se a esterilização, ou seja, o excesso de € que o BCE depositou nos bancos volta novamente para a conta do BCE. et voilá!

5º O BCE fica com as obrigações soberanas com maturidades até 3 anos no seu ativo, financiadas por dívida com maturidade de 7 dias que fica na posse dos bancos a render juros.


No final das contas, o BCE ficará a receber a yield das obrigações soberanas e a pagar a yield da dívida que vendeu aos bancos.

Desta diferença surgirá o juro liquido, que é a diferença entre o juro do obrigação menos o juro da dívida.
Se esse valor for inferior a 0, o BCE terá que registar perdas e imprimir € para compensar o prejuízo, resultando na emissão de mais dívida para tentar esterilizar o dinheiro recentemente criado.

Não esquecer que os bancos quererão receber o máximo de juro possível da dívida que irão comprar ao BCE, na medida em que ao terem cedido a obrigação soberana ao BCE com uma determinada yield, estarão sempre à espera que o negócio seja mais proveitoso, ou seja, se a yield da obrigação rendia 5%, vão querer que a dívida do BCE renda valor igual ou superior.

É que como os bancos sabem agora que o BCE estará disposto a comprar ilimitadamente as obrigações soberanas, estas tornaram-se mais apelativas aos olhos do investidor. Se outrora o pessoal queria fugir delas, com este comprador de último recurso "cheio de dinheiro nos bolsos", a coisa já muda de figura.

O BCE terá assim que "seduzir" os bancos a aceitar uma yield mais baixa pela dívida emitida do que aquela que as obrigações já trazem (não será fácil), porque caso contrário terá que registar perdas no seu balanço, emitindo mais dinheiro e consequentemente mais dívida para esterilizar a expansão monetária, entrando nesta espiral que não se sabe onde parará.

O que é que pode correr mal?

1º Emissão exponencial de mais € e mais dívida para cobrir prejuízos como forma de cativar os bancos a preferir dívida do BCE vs obrigações soberanas.

2º Governo soberano entrar em default com a sua dívida. Exigirá o reporte de prejuízos pelo BCE

3º Depósitos dos bancos que detêm dívida do BCE podem encolher (fuga de capitais), exigindo a estes menor valor em ativos, como a dívida do BCE, como forma de manter rácios aceitáveis.


O que o BCE está a sugerir é uma mega operação de transferência de risco dos bancos para o BCE, dando a oportunidade aos bancos de ainda ganharem dinheiro pelo caminho.
Pelo facto de haver permanentemente um comprador de último recurso, as obrigações subirão de valor e os bancos tenderão a querer ficar com elas, colocando a fasquia mais elevada ao BCe para os cativar a venderem-na por dívida do BCE.

Com os constantes deficits que se vislumbram no horizonte dos países europeus, a emissão de mais e mais dívida soberana exigirá cada vez mais ao BCE que imprima € e se responsabilize pela sua esterilização.

Normalmente estes planos correm bem, até ao dia em que deixam de correr bem e começam a correr mal. Até lá, todos julgam beneficiar com a situação porque a transferência de risco do privado para o público reflete-se num aumento da confiança generalizado nos investidores privados, ao saberem que têm sempre um parolo que lhes compra tudo e mais umas botas.

Se tiverem mais alguma informação/opinião sobre o tema, não hesitem em comentar.

Tiago Mestre

Sem comentários: