9 de setembro de 2012

De França, com amor! (parte 2)

Resposta ao comentário do prezado anónimo

Meu caro, efetivamente o modo como apresentei o caso tende a suscitar o tipo de reações como as de V.Exa, em que os ricos safam-se sempre, movimentam o dinheiro como querem, e os pobres submetem-se à "porrada" que o país lhes oferece.

Deveria ter sido mais abrangente na explicação, e não fui: é o chamado vício de raciocínio.

Em relação ao assunto em questão:

Tanto quanto me é possível, tento analisar a realidade e os comportamentos sociais sob a lupa mais descomprometida possível, ou seja, sem juízos de valor nem perspetivas agarradas a ideologias sociais ou outras.
Também parto do pressuposto que as decisões políticas, muitas delas, são cheias de boas intenções, ao invés de estarem sempre "agarradas" a corrupções, interesses ou outras manobras ilegais. Prezados leitores e comentadores do Contas, como o Manuel Galvão, consideram o oposto, e como eu respeito a sua posição.

Mas como não tenho fortes evidências para expor os casos e as histórias sob essa perspetiva, baseio-me na boa fé dos indivíduos que estão a ocupar os lugares do poder. (podem-me chamar ingénuo, claro!)

Quando informo os leitores do Contas que o caminho do dinheiro dos ricos é diferente do caminho do dinheiro dos pobres não estou a fazer uma apologia do fenómeno.

Ou seja, não confirmo nem desminto, apenas constato uma realidade.

E só depois de tentar perceber a realidade, de forma descomprometida e sem ideologias agarradas, é que criamos as condições para haver uma plataforma de discussão e entendimento que nos levará à tentativa de obter soluções.

Na minha opinião, o movimento de capitais é, pela sua essência, tendencialmente mais livre do que o movimento dos rendimentos do trabalho, apenas pelo facto de que os capitalistas alocam o dinheiro onde ele é mais reprodutivo, enquanto que os trabalhadores alocam o dinheiro onde ele é mais preciso.
Os primeiros fazem-no para o multiplicar, os segundos fazem-no para fazer face às suas despesas mensais e realizar o seu pé de meia, se tiverem cabeça para tal.

São diferenças essenciais na forma como o dinheiro circula, e mais uma vez, não é porque eu gosto ou deixo de gostar. Foi Adam Smith quem me ensinou estas diferenças.

Essa liberdade de movimentos concedida a quem quer reproduzir o dinheiro parece-me, na sua essência, uma coisa natural e de acordo com o direito mais elementar de propriedade. Porque é que eu não devo ser livre de alocar o meu património aonde quiser, e da forma que eu achar mais rentável?

E cada um de nós que tenha conseguido juntar 5, 10, 20 ou 30 mil euros no banco, pode e deve ter a liberdade de trocar de banco, de produto financeiro, de € por ouro ou prata, ou por ações, ou obrigações soberanas, fazer um PPR, comprar uma (pequena) casa, sei lá.
Cada um deve ter a liberdade de poder fazer o que lhe for possível dentro das suas circunstâncias.
Mas com 30 mil euros no banco já não dá para investir na construção de fábricas na China, ou em Credit Default Swaps, ou na aquisição de patentes, ou na aquisição de empresas inteirinhas que faturam 10, 20 50 ou 500 milhões de euros por ano.
Lamento, mas já não é possível, apenas e só por uma questão de grandezas que estão em jogo.

O problema aqui não é a capacidade dos ricos deslocalizarem o seu dinheiro, mas sim o estímulo que os governos têm dado para que estes decidam neste sentido.
Quando os governos começam a taxar os rendimentos do trabalho e os rendimentos do capital acima de 30%, começamos a dar as condições para que o pessoal comece a pensar 2 vezes. A fuga dos ricos é meramente um sintoma, e não a causa do problema, e os pobres só não o fazem pelas razões que já expusemos acima: não lhes serve de muito mudar o dinheiro para a Lituânia quando precisam dele agora e aqui.

Portugal já foi um grande captador de investimentos externos no final da década de 50, 60 e 70, quando conseguiu negociar condições altamente vantajosas com os países que faziam parte da então EFTA.
Hoje é precisamente o contrário.

Se eu fosse governante, tudo faria para estimular o repatriamento de capitais em Portugal e a chegada de novos investimentos.
Mas como? Reduzindo impostos
Mas como? Reduzindo despesa para que o défice seja zero
Mas como? Cortando 10 mil milhões num ano, mais 10 mil noutro, mais 10 mil noutro.

30 mil milhões de euros no total, obrigando a despesa a cair para 30% do PIB, e com isso baixar também os impostos para 30% do PIB. Só assim teremos os capitais a regressar, e não a ir embora.
Mas até lá, a dor seria imensa:

1. subir o desemprego no curto prazo,
2. muitos reformados teriam as suas reformas cortadas,
3. algumas auto estradas ficariam paradas,
4. a saúde não mais poderia ser aquilo que tem sido até agora,
5. muitos despedimentos na função pública sem ser possível pagar indemnizações
6. muitas repartições, direções gerais e organismos do Estado desapareceriam
7. os juros e a dívida seriam para renegociar com a troika e assumiamos desde já que o pagamento anual dos 8 mil milhões de juros ou parte deles ficariam suspensos até ser possível encaixá-los no orçamento.

Enfim, o horror!

Mas não tenho medo de vos expor a minha interpretação da realidade e assumir as minhas convicções acerca das soluções que devem estar em cima da mesa. Torno-me vulnerável às vossas opinações, mas quem assume as suas posições corre sempre estes riscos, e até ver não me tenho dado mal.

As sugestões de soluções são dolorosas e no curto prazo são DESASTROSAS, mas oxalá houvesse outras que resolvessem os problemas e minimizassem os danos, mas infelizmente a Matemática não me dá folga a mim nem a NINGUÉM nesta matéria.

Espero ter sido mais esclarecedor nesta matéria da fuga de capitais.

Tiago Mestre

2 comentários:

Filipe Silva disse...


Interessante que se um individuo na rua rouba outro, geralmente ficamos chocados e chamamos a policia, ou até vamos atrás do ladrão a ver se conseguimos restituir a pessoa lesada do roubo sofrido.

Mas não temos grande problema de permitir que uma instituição, através da violencia e da tortura psicologica que roube os cidadãos sem estes terem capacidade de defesa ou de conseguirem restituir o que lhes foi roubado.

O problema da divida portuguesa é um problema da democracia nacional, senão vejamos, os politicos foram eleitos e levaram a cabo muitas politicas que nunca mencionaram ao eleitorado, por terem ganho tem o poder de puder dispor como quiserem do poder ilimitado do EStado.

A realidade é que um grupo de cidadãos pode operar um roubo sobre outros na total impunidade, para isso basta votar num partido, por exemplo, defenda a nacionalização de determinada empresa, desde que tenha a maioria necessária.

O nosso problema deriva deste mesmo, da democracia, o politico para se manter no poder, precisa primeiro de pagar a quem o financia (ai entram as obras publicas, as PPP, etc..) e precisa e ganhar os votos (RSI, subsidios de desemprego, etc..) por isso vai roubar o dinheiro onde ele existir.

O caminho actual vai levar a que o Estado caminhe para o confisco total, porque não corta em nada do Estado dito social.

É mentira que o trabalho não seja móvel, em Portugal tem se assistido a uma saida enorme de trabalhadores, é uma situação como a saída de capitais.

O Estado não cria riqueza, são estes os ditos capitalistas, o demónio que criam riqueza, este sistema que se diz o demónio foi o que impulsionou a humanidade para a frente, possibilitando condições como nunca antes vista.

A realidade é que hoje o mundo esta menos desigual, podemos não gostar, mas vivesse muito melhor hoje na China , Índia etc...

O desejo do socialistas e controlar toda a gente, porque as pessoas gostam de mandar nas outras.

Não tenho nenhum problema com os ricos, e compreendo o que fazem ao levarem o dinheiro para off shores, e para países mais favoráveis, estão a proteger o que é seu, e utilizando as suas armas ao dispor.
A realidade é que na vida humana como na vida saudável é a sobrevivencia do mais adaptável.

Os socialistas e comunistas basta irem aos países de leste para perceberem o quanto bom é o socialismo, e quanto bom é a miséria.

Convém lembrar vivemos no crony capitalism, e enganarem as pessoas quando afirmam que vivemos no capitalismo selvagem

Anónimo disse...

Tiago Mestre
Acho que me percebeu, e, apesar de compreender a sua perspectiva de que se limita a constatar realidades sem juízos de valor nem perspectivas agarradas a ideologias sociais, é precisamente esse ponto que pretendia focar.
É que o "vício de raciocínio" de defensores de um capitalismo mais liberal (na esteira da escola clássica de Smith e Ricardo, e agora nos seguidores na Escola Austríaca) é tratarem a economia como um puro modelo teórico, um exercício matemático. E depois querer lá pôr as pessoas, e não compreenderem porque é que a realidade não resultou exactamente como nesses modelos matemáticos.
Com formação em Direito na vertente económica estou no meio de opostos: os economistas que só atendem ao raciocínio matemático, e os políticos que só atendem ao que lhes pedem as pessoas no imediato, muitas vezes sem racionalidade.
Mas não deixa de me chocar como os economistas desligam esses modelos da dimensão humana e da colectividade.
It`s the Economy, stupid!
Pois, mas as coisas são mais complexas: há, desde logo, a dimensão humana. E o ser humano é um ser complexo, com uma inerente dignidade. Não se pode aceitar qualquer resultado. Não pode ser do género: tu vais ser meu empregado e vais beneficiar x e eu vou ser patrão e vou beneficiar 100x e está tudo bem porque ambos beneficiamos!
Isto pode ser um resultado matematicamente aceitável, mas é humanamente inaceitável (e aliás, é um resultado idêntico ao que se alcança na relação entre países: em que - na senda de Ricardo - dizem que o liberalismo internacional permite maior especialização e benefício mútuo. NÃO DIZEM É QUE UNS BENEFICIAM MUITO MAIS DO QUE OUTROS. Ou seja, não importa apenas o resultado absoluto, importa também o resultado relacional!
E há ainda a dimensão social: somos uma SOCIEDADE ou COMUNIDADE, que tem que se organizar colectivamente e pagar bens públicos (desde logo órgãos de soberania, depois segurança externa/forças armadas, depois segurança interna/polícias, mais justiça/tribunais, sendo depois já discutíveis outras vertentes como saúde, segurança social, educação,. Mas algumas valências são obrigatórias e o peso do estado por muito que agora recue terá sempre uma dimensão considerável. Mas obviamente imprescindível e que a todos beneficia (como parece esquecer nos seus posts: parece que só paga).
E isso nem é, no essencial, como tantas vezes quer fazer no seu blog, para pagar aos funcionários públicos (inúmeras vezes confundidos com funcionários políticos/"boys")
É verdade que todas essas vertentes terão que ser agora repensadas - sendo que nestes países do sul, diga-se, nunca foi muito apurada, reinando um total individualismo e falta de sentido cívico (porventura porque aqui qualquer um com um pequeno talhão consegue sobreviver, o que não sucede nos países gelados do Norte, onde tiveram que apurar ao máximo o seu sentido cívico e de organização colectiva).
No fundo, é para esta negligência da dimensão humana e social/colectiva das suas análises que o queria alertar. Mas claro que é você quem define os seus temas!
Lamento a forma menos polida como comentei o anterior "post", mas, de facto, cada vez mais resulta evidente que o capitalismo liberal e a exploração do homem pelo homem tem limites (pois a verdade é que, quando trabalha por conta de outro, o Homem se aliena e aliena parte da sua dignidade, como que "coisificando-se" como diria Marx, e isso tem que lhe trazer uma retribuição minimamente compensatória - senão voltamos à escravatura). A continuar assim, as pessoas pegarão em armas...
Continuarei a ler o seu blog, que reputo de qualidade, quanto mais não seja para ir tendo o lado "economês" – mas sem esquecer as outras dimensões: humana e de comunidade.
Cumprimentos