28 de outubro de 2011

A realidade é sempre uma chatice

Caros leitores e leitoras, aqui no Contas acreditamos que após o "resultado" da cimeira europeia de quarta-feira, a euforia que reinou o dia de ontem e talvez os próximos tenderá a desaparecer, com a realidade a regressar novamente.

Essa realidade voltará na forma de especulação nos mercados e na imprensa sobre o que a UE irá preparar, o que estão dizendo, como funcionará o futuro EFSF alavancado, como irão correr os leilões das dívidas espanholas e italianas e como, a pouco e pouco, as economias vão-se afundando neste espiral de dívida e de recessão.

Este caminho de gerar dívida nova para liquidar dívida velha, pagar cada vez mais juros, impostos a aumentarem para a tentar liquidar, a economia privada a sufocar-se e a gerar cada vez menos riqueza é o caminho adoptado que tenta adiar o inevitável para o futuro mais longínquo possível. Esta ideologia representa uma ética de fazer as coisas que não se enquadra na nossa missão natural como seres humanos: de preservar e garantir a sobrevivência da nossa espécie e dos nossos. Esta realidade virtual que se instalou na política e na especulação nos mercados que parasita à volta das decisões políticas ameaça as coisas mais essenciais da vida humana.

Na vida real, sem crédito e sem subsídios, todos temos que trabalhar para gerar uma receita, receita essa que será transaccionada por bens ou serviços que nos ajudarão nas necessidades básicas e não só, como comer, vestir, procurar abrigo, deslocações, empreender novos negócios, lazer, cultura, etc.
A história da concessão de crédito diz-nos que inicialmente esta serviu para facilitar trocas comerciais e ajudar novos empreendedores a lançarem-se no mercado com novas ideias. Daí derivou para empréstimos aos estados, aos mercados financeiros e ao consumo. Quando o crédito se torna abundante e as taxas de juro são descidas artificialmente para próximo de 0%, temos muita gente a gerir dinheiro que não foi obtido pelo seu esforço ou suor, e é aqui que as coisas se complicam, porque todos sabemos que gerimos melhor o dinheiro que nos custou a ganhar do que gerir o dinheiro que custou a ganhar... a alguém, que nem sabemos quem é!

Este mecanismo de concessão de crédito tem que ser reduzido para valores que são sustentáveis, e que apenas apoiam a economia real, e não a virtual, e como?
Deixando o mercado funcionar, deixando as taxas de juro subir para valores que são interessantes para quem empresta e para quem pede emprestado, deixando países ir à falência arrastando os credores que emprestaram sem ter medido o risco, salvaguardando quem foi prudente, quem poupou e criando as condições para a formação de capital com bases sólidas e assim emprestar para novos empreendedores. Se para tudo isto é preciso que ocorra uma crise mundial e sistémica, então que ocorra, porque a ser verdade a tal crise sistémica, então significa que o sistema está todo viciado, está manipulado até ao osso, e continua levitado porque a manipulação reina.

Será tudo isto capitalismo? Não é. É tudo menos capitalismo. No sistema capitalista os governos não ocupam 50% da economia, os impostos não são de 50%, as taxas de juro não são manipuladas, os empréstimos não estão ao virar da esquina para quem lhe apetece gastar, os bancos não são resgatados, os lucros são privados e os prejuízos também são privados. Só assim premiamos quem ganha e punimos quem perde. No sistema que temos hoje, os lucros ficam no privado e os prejuízos (com o receio da tal crise sistémica) ficam nos ombros dos contribuintes, sem se lhes pedir, sem se lhes perguntar nada. Têm que assumir os prejuízos das asneiras cometidas por terceiros e ponto final. Também já não é uma democracia. Já é tudo muito confuso, uma sopa triturada onde dificilmente se distinguem os ingredientes.



Tiago Mestre

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