Caros leitores e leitoras, de acordo com o post anterior, que sugerimos a sua leitura para melhor se compreender este, salta-nos uma pergunta:
Quais os argumentos em que se baseia a classe política, jornalística e opinion makers quando nos informam na televisão, nos jornais e nas rádios que a dívida soberana portuguesa é "alvo de ataques especulativos por parte dos mercados"?
Esta mensagem foi passada massivamente nos media, mas em nenhuma ocasião ouvimos argumentos técnicos que a expliquem. Não estamos a afirmar que não tenha havido especulação. Pela forma como os governos centrais estão a dar "carta branca" a mercados que não estão regulados e a manipular outros mercados para que se mantenham levitados à força, o que não devem faltar por aí são especuladores. Abordámos este assunto recentemente aqui.
Ora, não havendo evidências fortes do lado de quem acusa, presumimos que o acusador não as possui. E se não as possui significa que a afirmação é meramente uma "desculpa" para justificar um evento que ou não se entende ou não se quer explicar. E isto é que é especulação, é plantar ideias fáceis na população para se arranjar um bode expiatório invisível onde se podem descarregar todas as culpas. Não nos parece sério este tipo de abordagens, muito menos afirmadas por aqueles que "fazem" opinião e que possuem um dever público de esclarecimento quando são chamados a comentar. Os jornalistas, ignorantes na matéria, aceitam frequentemente estas opiniões e não conseguem compreendê-las ao ponto de as desmontar e exercer o contraditório.
Daquilo que compreendemos do mercado de dívida soberana e das contas públicas de Portugal, somos a considerar o seguinte:
Portugal gozou de uma queda das taxas de juro nas suas obrigações desde que se decidiu juntar-se à zona euro. Integrar esse pelotão deu-lhe credibilidade e os investidores acreditaram que Portugal possuía energia para assumir os seus compromissos. A dívida na altura, há 13, 14 anos, era inferior a 50% do PIB, este crescia ainda acima da média da UE, e portanto pouco receio havia. Durante toda a década de 2000 assistimos a uma queda das taxas de crescimento do PIB, e o Estado, para não deixar a população sem apoios, foi assumindo cada vez mais responsabilidades sem acautelar as respectivas receitas para cobrir estas despesas. Chegámos a 2010 com um crescimento de quase zero e um ritmo de endividamento e geração de défices que não para de atingir novos recordes. E pronto, ficam assim criadas as condições para que, mais cedo ou mais tarde, os vigilantes das obrigações soberanas mundiais reparem que algo de insustentável se está a passar em Portugal. A crise financeira e económica de 2009 veio acelerar este receio dos vigilantes, e com a Grécia a iniciar a sua queda até ao abismo, seria uma questão de tempo até Portugal se afundar, et voilá!
Atribuir culpas injustificadas aos especuladores sem primeiro fazermos o nosso mea culpa é procurar os responsáveis no sítio errado. Não se compreende o crime e estamos a procurar o criminoso no sítio errado.
E para acrescentar mais ruído, o que a UE está a fazer é a mandar para debaixo do tapete as provas e as evidências de que os criminosos são os próprios governos, arranjando mecanismos de financiamento duvidosos, como o EFSF, em que se baseia na credibilidade dos alunos bem comportados para emprestar aos maus comportados, a proibir instrumentos financeiros que, até há 3 meses, ninguém punha em causa a sua existência: claro, os mercados estavam a subir, para quê retirar estes instrumentos. Só quando os mercados começam a cair é que se manipula para evitar maiores quedas. Estas manipulações recentes da UE envergonham qualquer manipulação que os mercados possam ter feito contra Portugal, tal é a escala da operação.
A última tentativa de manipulação, avançada hoje, exige às agências de rating que não publiquem descidas de ratings e outlooks negativos dos países que estão abrangidos pela programa de resgate da troika. Huumm, onde é que eu já vi este filme. As notícias são cada vez mais insanes e o céu é cada vez mais o único limite. Aguardamos cenas dos próximos capítulos.
Tiago Mestre
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