20 de outubro de 2011

Obrigações gregas a 1 ano atingem um juro de 188% !

Caros leitores e leitoras, a União Europeia decidiu proibir os contratos de Credit Default Swap (CDS) para dívidas soberanas, na tentativa de travar a escalada dos juros sobre estas obrigações.

Como funcionam as obrigações soberanas, o mercado secundário e as taxas de juro (ou yields)?


O Estado soberano emite dívida, que é vendida em leilão. Os compradores adquirem a dívida com a promessa que o Estado os irá ressarcir do capital e do juro na maturidade que foi pré-acordada (6 meses, 1 ano, 5 anos ou mais). Os compradores podem depois colocar essas obrigações no mercado secundário e vender a outros compradores. Quando essa transacção se realiza, o juro original mantêm-se no mesmo e apenas o preço da obrigação oscila em função da lei da oferta e da procura.


Face ao estado degradado das contas públicas gregas, que é de todos conhecido, as suas obrigações perderam credibilidade nos mercados, e os possuidores das obrigações começaram a vendê-las para se desfazerem desse investimento "arriscado". Havendo mais vendedores que compradores, a lei da oferta e da procura diz-nos que o preço das obrigações tem que baixar. E foi o que aconteceu. A taxa de juro aumentou porque existe uma relação inversamente proporcional entre o preço da obrigação e a taxa de juro. E porquê? Porque a taxa de juro de 5% que é paga pelo governo grego incide sobre o valor inicial da obrigação. Se esta perde valor no mercado secundário, o Estado continua a pagar 5% sobre o valor inicial.
Um exemplo:
Há 1 ano, quando as obrigações a 5 anos foram emitidas pelo estado grego, cada obrigação valia 1 euro, por exemplo, a uma taxa de juro de 5% que será remunerada durante 5 anos.

Hoje, essa mesma obrigação possui uma taxa de juro de 188%, significando que o seu preço desceu de 1 euro para 36,5 cêntimos ( 36,5 x 2,88 = 1,05 ). Num ano, a obrigação perdeu quase 3 vezes o seu valor. Se hoje comprar essa obrigação por 36,5 cêntimos e se a taxa se mantiver em 188%, posso quase triplicar o meu investimento num ano, mas se continuar a haver mais vendedores do que compradores o preço da obrigação continuará a baixar. Se por exemplo eu quiser vendê-la daqui a 6 meses e a taxa de juro no mercado já estiver a 300%, só se venderá por 26 cêntimos, perdendo quase 28% nesta transacção.

O mercado das obrigações é arriscado, na medida em que o investidor fica preso neste dilema quando começa a ver o preço das obrigações a descer:
Ou mantêm as obrigações que se desvalorizaram na sua carteira de activos e vai sendo remunerado com o juro acordado, ou tenta vendê-las a um preço mais baixo, assumindo a perda na transacção mas livrando-se do risco que esse activo representava na sua carteira de investimentos.
O facto da taxa de juro aumentar com o abaixamento do preço é um estímulo à entrada de novos compradores, mas estes devem ter em atenção que se a taxa de juro subiu, significa que o risco daquela obrigação aumentou, e se o Estado entra efectivamente em bancarrota, o investidor perde o dinheiro.
A UE tem recorrido aos contribuintes europeus para emprestar dinheiro à Grécia para esta poder pagar os seus compromissos, nomeadamente com os investidores das suas obrigações. Contudo estes já pouco acreditam na salvação da Grécia e despejaram as obrigações que possuíam no mercado secundário. O preço tinha inevitavelmente que descer e as taxas de juro que subir.

A somar a este mercado das obrigações existe o mercado dos CDS, muito mais recente e muito mais pequeno, que funciona como uma apólice de seguro sobre o preço da obrigação. Mediante o pagamento de um prémio pelo tomador do seguro à seguradora, esta compromete-se a ressarcir o tomador em caso do preço da obrigação descer nos termos acordados entre ambas as partes. Este mercado foi agora banido pela UE na tentativa de travar a queda do preço das obrigações, só que a medida parece fracassada à nascença. E porquê?
Porque os investidores utilizam este mecanismo, não só para apostar na queda dos preços das obrigações, que é o que a UE está a tentar evitar, mas para anular perdas que estavam a ter no mercado das obrigações, evitando assim vendê-las (o que é bom para as obrigações), ou seja, quando o preço das obrigações começava a descer no mercado, compravam CDS em vez de venderem as obrigações, e assim o que perdiam no preço das obrigações era compensado com o que ganhavam no CDS. Sem poderem recorrer a este mecanismo, não terão outra alternativa senão despejar as obrigações no mercado secundário, pressionando o preço da obrigação ainda mais para baixo. Veremos se este raciocínio será válido nos próximos tempos.

Tiago Mestre

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