7 de julho de 2012

Produtividade segue o seu longo caminho descendente

Caros leitores e leitoras, a propósito do assunto da produtividade, temos sido bafejados por toda a sorte de economistas e governantes a sugerirem que a economia e os portugueses se tornem mais produtivos. As soluções que têm apresentado, como aquela história de se trabalhar mais meia hora por dia, não são soluções nenhumas, pelo que é de inferir que este pessoal ou acredita em políticas descoladas da realidade ou então não fazem ideia nenhuma do que está aqui em causa.

Este post é mais longo, mas tem mesmo que ser.

Para nos ajudar a compreender melhor este assunto, transcrevemos abaixo uns parágrafos do livro de Adam Smith: A Riqueza das Nações:

"Naquele estádio primitivo da sociedade em que não existe divisão do trabalho, [...] cada homem fornece a si mesmo tudo aquilo de que precisa, não se torna necessário acumular ou armazenar previamente quaisquer bens com o fim de permitir a realização da actividade da sociedade. [...] Quando tem fome, vai caçar à floresta, quando o vestuário que usa está gasto, veste-se com a pele do primeiro animal de grande porte que consiga matar, e quando a cabana que habita começa a dar sinais de ruínatrata de conservá-la o melhor que pode com as árvores e as ervas mais próximas.


Mas, uma vez que tenha sido profundamente introduzida a divisão do trabalho, o produto do trabalho de um homem apenas poderá suprir uma parte muito reduzida das suas necessidades ocasionais.
[...] 
A quantidade de matérias primas que pode ser trabalhada pelo mesmo número de pessoas aumenta numa grande proporção à medida que o trabalho se subdivide cada vez mais; e, porque as tarefas executadas por cada operário se reduzem gradualmente a um maior grau de simplicidade, torna-se possível a invenção de uma nova variedade de novas máquinas, capazes de facilitar e encurtar tais tarefas"  

O que Adam Smith nos ensina é que o progresso das civilizações deveu-se inicialmente à acumulação dos excedentes de produção que permitiram a ocorrência de trocas, promovendo o aparecimento de tarefas cada vez mais especializadas. E foi em algumas técnicas na agricultura, mas sobretudo na indústria que a produtividade disparou, e como? Através da super-especialização.
Desta forma foi possível inventar novas máquinas, novos métodos produtivos e com menos gente produzir muito mais. Com o preço dos bens finais a descer de forma generalizada, o poder de compra destas populações aumentou significativamente, mesmo sem terem que auferir mais rendimento. Basicamente, tornou-se-lhes possível obter muito mais bens com a mesma quantidade de dinheiro.

Foi isto que o capitalismo deu ao mundo e à raça humana. Mas para que tal progresso se mantenha, é necessário que a população se continue a especializar e a desempenhar tarefas cada vez mais específicas, sobretudo no setor industrial. E aqui é que a porca torce o rabo, porque temos assistido em Portugal a uma migração de pessoas e de capital do setor industrial para o setor comercial desde há 2-3 décadas.


    Baseado em dados da Pordata

Face a esta evidência, coloca-se-nos a pergunta:
É possível continuar a haver especialização no terciário da mesma forma que no secundário?
É nossa resposta é NÃO
E porquê?

Primeiro motivo: a natureza do trabalho terciário é diferente da do secundário

Bom, haverá sempre margem para que o setor terciário se especialize qualquer coisa, mas a natureza dos trabalhos prestados neste setor não se compatibilizam com uma revolução de produtividade como ocorreu com o setor secundário.
Lavar carros, fazer entregas, arranjar o cabelo, cortar a barba, passar faturas, reparar equipamentos, vender refeições ou vender perfumes num centro comercial são profissões que não permitem grandes ganhos de produtividade, e por arrasto não podem garantir melhores salários nem maior poder de compra no médio prazo.
Em muitos destes trabalhos, a natureza deles é pedir ao funcionário que esteja parado, à espera que algum cliente chegue ou peça serviço.


Segundo motivo: redução das grandes empresas e aumento das pequenas - pulverização empresarial.

As empresas, tanto no setor comercial como no industrial têm vindo a reduzir a sua carga laboral, por mil e uma razões, mas a consequência prática disto é que hoje exige-se aos trabalhadores que façam de tudo um pouco. Ora, estas novas dinâmicas laborais só têm uma consequência: incapacidade de se especializarem numa única tarefa e consequentemente redução de produtividade. Conhecemos relativamente bem esta realidade das nossas empresas em Portugal e constatamos que quem assume muitas tarefas acabará por desempenhá-las relativamente mal. É muito comum pôr umas tarefas à frente de outras, deixando assim algumas para trás que acabarão por prejudicar a atividade global da empresa. Com a redução do número de empregados nas empresas, a realidade dos novos micro empresários é que têm que tratar dos clientes, dos salários, dos impostos, das cobranças, dos pagamentos, da faturação, dos bancos, dos fornecedores, das compras, dos trabalhadores etc. É um sem fim de tarefas que dificilmente se cumprem nos prazos acordados e com a eficácia desejada.
Esta regressão na especialização é um fenómeno inexorável na nossa sociedade.


Conclusão:

Como tendência, acreditamos que a produtividade geral do país continuará a manter-se baixa ou até a baixar ainda mais. Passámos das grandes companhias do tempo do Estado Novo altamente especializadas e de vocação essencialmente industrial, patrocinadas pelo regime corporativo que vigorava, para pequenas empresas de serviços que no que ganham em flexibilidade perdem em produtividade.

Quando se voltar a falar em produtividade nos media em Portugal é importante que não nos esqueçamos que economia temos nós, e quão diferente ela é do que fora há 30 ou 40 anos atrás.

Só poderemos manter profissões altamente especializadas, tais como sociólogos, filósofos, enfermeiros, técnicos auxiliares disto e daquilo, se houver excedente na nossa produção, ou seja, se houver riqueza acumulada que permita a manutenção destes postos de trabalho que se criaram mais recentemente e que não são essenciais à nossa subsistência.

Como a riqueza há muito que se esgotou e o crédito está a encurtar, muitos postos de trabalho já foram e continuarão a ser eliminados do mercado laboral.

Porque é que acham que há tantos licenciados no desemprego, sobretudo com formação para desempenhar profissões do setor terciário?

A especialização gera riqueza (1), mas o plano só resulta se ela já lá existir previamente, na forma de excedente.
Com pobreza (0) não se gera nem excedente nem especialização.

(1) x 1 milhão = 1 milhão
(0) x 1 milhão = 0

Tiago Mestre

9 comentários:

Anónimo disse...

Acredita mesmo que "profissões altamente especializadas, tais como,... enfermeiros" não são essenciais à nossa subsistência?
Um dia talvez ou por alguém, que goste, vai compreender.

Tiago Mestre disse...

Caro anónimo, só apareceram certas profissões quando a sociedade se permitiu a esse "luxo", ou seja, quando houve riqueza e especialização para tal. Deixando de haver riqueza, elas serão "naturalmente" eliminadas porque não haverá dinheiro para tal especialização.

Não será a minha vontade ou a tua a contrariar isto. As conclusões que escrevo neste post baseiam-se na interpretação de factos, por muito que me custe a mim e aos leitores do Contas aceitá-las.

Quem me dera a mim ter toda uma classe na área de saúde disponível e preparada para me minimizar sofrimento ou aumentar as minhas chances de sobreviver mais tempo.
Um à parte: cheguei a fazer voluntariado há 10 anos durante 1 ano nos paliativos do IPO do Porto quando estudava na FEUP, apenas e só na tentativa de minimizar sofrimento àqueles que já tinham o destino marcado.

O que acontece já hoje é uma redução do preço do trabalho de certas profissões, como nos enfermeiros, por exemplo. Noutras profissões do setor privado isso já aconteceu há muito tempo, como nos jornalistas, arquitetos, sociólogos, etc.
Mas como a saúde tem sido uma área onde os empregos estão mais agarrados ao Estado, esse confronto com a realidade adiou-se até à última.

Tal adiamento com a verdade só serviu para gorar espectativas a muitos jovens que foram para enfermagem, cardio-pneumologia e outras especialidades julgando que o emprego, a remuneração e as condições de carreira estariam lá.
Alguém mentiu/omitiu a alguém, e não fui eu nem tu com certeza.

Nós aqui no Contas, como já percebeste, evitamos mentiras, falinhas mansas e manipulação dos factos só para não ferir suscetibilidades. A verdade e a força dos factos acima de tudo, mesmo doendo, e às vezes muito. Mas a dor serve para nos ultrapassarmos e procurarmos energia onde julgávamos que ela não existia.

Não queremos enganar ninguém e oxalá que os conselhos, as dicas e as conclusões que escrevemos aqui no Contas sirvam de apoio às (boas) decisões que muita gente precisa de tomar, mas que, ou por receio ou por dificuldade ou por não saber o que futuro lhes reserva, as tem adiado.

Vivendi disse...

Uma enfermeira para cada um era excelente!

Voltando à realidade, os campos estão vazios, as fábricas a fecharem e todo o mundo vê a Europa como um continente em declínio.

Em Portugal até as indústrias de extração estão em quebra... E Havia fábricas especializadas nisto ou naquilo, por exemplo que tiveram de fechar pois não conseguiram aguentar contra a concorrência asiática (moeda baixa, condições laborais, condições ambientais) e os burocratas de Bruxelas nem aí!

O palavreado da inovação é um mito, não se inova tanto assim no mundo, não aparecem grandes novidades assim do nada, vê-se sim o aperfeiçoamento daquilo que já existe que é outra coisa, mas produtos novos não.

Filipe Silva disse...

Concordo mais uma vez ctg Tiago.

Quando no meu dia a dia, exprimo opiniões em linha com as que são aqui escritas, caí o carmo e a trindade, as pessoas pensam logo que o que quero é o fim do mundo.

Agora em relação aos Enfermeiros, verifico que a Comunicação social e mesmo o Estado (na pessoa do Sr ministro da saúde) tem um peso duas medidas para com os cidadãos nacionais.

Sem emitir um juízo de valor sobre o salário oferecido aos enfermeiros, vou falar sobre o que ocorreu.

Uma empresa para conseguir vencer o concurso disse que fazia por 5,16€ hora.

Pelo que parece ofereceu 3,96€ aos seus funcionários(enfermeiros) este valor os quais aceitaram de livre vontade.
Se aceitaram é porque acharam que era um valor justo, face há realidade da situação actual, este valor maximiza a sua utilidade.

Que poderiam ter feito?
RECUSADO este valor, se nenhum enfermeiro tivesse aceite, a empresa ficava com 2 hipoteses, ou subia o valor oferecido, ou entraria em incumprimento do contrato por não conseguir reunir os profissionais necessários.

Porque é que se sentem tão indignados quando é o mercado a funcionar?
O ministro devia ter vergonha na cara (mais uma entre muitas que tem feito), e não deveria emitir opiniões sobre valores praticados entre agentes livres, para alem que o contrato que venceu, ao contribuinte é um excelente contrato, dado que passou de 8 e tal para 5,16€, este está la para fazer o melhor com o menos possível.
Porque não existe indignação dos milhares que ganham o mesmo ou até menos a fazer outras profissões que não ligadas há saúde?
(10% ganha o salário minimo)

PS- ninguem ficou ofendido com a situação de que o estado levar quase 50% do que estas pessoas ganham, nos recibos verdes. Isso a mim foi o que me chocou.

PS- profissão nobre, como todas as outras, mas que continua a ter centenas a entrar todos os anos. Estes como os médicos esquecem-se que são pessoas que ganham também pouco que lhes pagam a formação, através dos impostos.

A constituição tem de ser alterada, com o risco de Portugal desaparecer se isto não acontecer

Tiago Mestre disse...

Filipe, constato o seguinte:

Quando exprimo uma opinião que implique o desfavorecimento de um setor, de uma classe ou até de todos os portugueses, a primeira interpretação que o pessoal costuma fazer é que eu QUERO que isso aconteça.

E este modo de interpretação enraiza em algo mais profundo:

As pessoas, na generalidade, quando opinam, fundamentam-se muito mais naquilo em que acreditam e que GOSTARIAM que ocorresse na sociedade, independentemente da aderência dessas opiniões à realidade e à cultura vigente.

É muito interessante constatar isto, apesar de que considero um vício na formação da opinião e um obstáculo à compreensão de opiniões como a nossa, que tentam, tanto quanto possível, ir aos factos e emitir opiniões que não têm em conta se A é prejudicado e B não.

A este nosso modo de pensar eu chamo-lhe pensamento livre e desassombrado. Não é por acaso que me identifico muito mais com os libertários.

Mas há esta barreira natural na sociedade em aceitar opiniões mais racionais e analíticas, que invariavelmente se desligam do lado susceptível e sensível das questões. Fernando Pessoa ensinou-me que a opinião pública coletiva é irracional, já que a formação de opiniões analíticas é muito mais individual, fria e cruel, daí a nossa dificuldade em passar a mensagem da austeridade.

Um caso flagrante é ouvirmos recorrentemente na comunicação social de que "As pessoas não são números".....

Anónimo disse...

O que me parece é que a grande maioria de dirigentes, gestores, banqueiros, políticos... enfim, corruptosVScorrompidos é que não é essencial na nossa sociedade. Quem autorizou despesa pública (que assinou) não devia ser eleito nunca mais. Teorias...

Anónimo disse...

Agradeço a resposta do digníssimo Tiago Mestre, mas a resposta está no "post" magnífico Vivendi. É necessário encerrar pelo menos 50 universidades/politécnicos. A mão-de-obra especializada não se tornaria tão barata. Os médicos nunca foram em cantigas. Se a sua licenciatura fosse massificada íam ver como os ordenados chorudos vinham por aí abaixo. E não falta gente para se candidatar com médias entre os 17 e 18 valores.

Anónimo disse...

Reduzir despesa na AP: Redução de deputados e autarquias em 75%. Eliminação das CCDR. Elimnação de 80% da frota automóvel da AP. Eliminação de 100% das empresas de segurança. Transferir essas funções para os Assistentes Operacionais (não contratar mais nenhum). Eliminar a 100% empresas de manutenção de ar-condicionado e afins, limpezas na AP. Eliminar 90% das empresas públicas. Eliminar 90% dos Institutos. Manter reestruturando a Educação (corte de 75% nas Universidades). Manter a saúde e eliminar todas a PPP, sem renegociação. Que se queixem ao Totta. não cumprir contratos é inconstitucional, mas estes são leoninos.

Anna Barańska disse...

Bardzo fajnie napisane. Pozdrawiam serdecznie !