Há 2 dias publicámos o post onde identificámos os custos das universidades para 2012.
A criação dos Institutos Politécnicos foi do tempo de Marcelo Caetano, e no seu livro Depoimento, elucida-nos mais uma vez como decorreu o processo. Achamos que vale a pena partilhar as ideias mais relevantes e os pormenores mais curiosos, páginas 158, 159 e 160:
"Aquando da discussão da reforma do sistema educativo surgiram, macaqueando aliás críticas análogas noutros países, os impugnadores da validade da existência das escolas técnicas a par dos liceus. Tratar-se-ia de um ensino destinado a sancionar e agravar a distinção de classes, pois enquanto o filho do burguês procuraria o liceu, a escola técnica era destinada aos filhos dos operários para que operários continuassem a ser.
Não era verdade. Nem havia nenhum obstáculo a que o filho do operário frequentasse o liceu (como tantos faziam), nem das escolas técnicas estavam excluídos os filhos dos burgueses, muitos dos quais as procuravam. E aliás como o ensino técnico elementar dava acesso ao médio e este ao superior, o estudante da escola industrial podia prosseguir estudos até ser engenheiro saindo assim, se fosse caso disso, da condição operária - que nada tinha de envergonhar os que a ostentavam. Mas o ataque, desenvolvido a partir daí com esses e outros argumentos, impressionou os projetistas da reforma e o próprio ministro. Concluíram - e parece que é a moda na China - que em todo o ensino devia iniciação profissional- E competiria aos orientadores de cada escola secundária - sempre do mesmo tipo, ou seja o do liceu - encaminhar os alunos para cursos mais ou menos profissionais.
Foi, porém, no capítulo do ensino superior que a reforma provocou maior excitação no País. Assentáramos em que, para evitar o gigantismo ingovernável das Universidades existentes, se deveria criar novas universidades e procurar diversificar fora delas o ensino superior. Assim, a par das universidades seriam criadas escolas normais superiores para formação de professores do ensino preparatório, e institutos politécnicos que, em vez do ensino técnico médio, facilitassem a preparação profissional no grau correspondente à primeira qualificação universitária (bacharel).
Não houve cidade de província que se não habilitasse logo a centro universitário; e não o podendo ser, a sede de outra escola superior. Conhecido o feitio acomodatício do Ministro, era um perigo deixar-lhe liberdade da escolha da localização. Mas, quanto às universidades, ele próprio se defendeu dos assaltos das localidades e regiões, encarregando o computador de responder à pergunta sobre os sítios mais indicados para as colocar, de acordo com determinados elementos. Assim nasceram as novas universidades do Minho (Braga Guimarães, sendo esta dispersão uma concessão feita à rivalidade entre as duas cidades), Aveiro e Lisboa (Universidade Nova). O computador rejeitou Évora, onde havia um Instituto de Estudos Económicos e Sociais e que tinha no governo influentes ministros ligados à cidade. E foi ingrato para o chefe do governo ter de manter inflexivelmente o princípio de que onde o computador não dissesse, não haveria universidade. A transigir-se num caso como resistir depois a outras prementes solicitações? Então Évora ficou apenas com um Instituto Universitário, germe, segundo espero, da almejada restauração da Universidade que já teve.
Quanto às escolas normais superiores o Ministério pensou, e creio que bem, ser conveniente localizá-las em regiões predominantemente rurais, onde fosse fácil recrutar candidatos ao professorado que, depois de feito o curso, não tivessem relutância em viver na província.
Ao contrário, os politécnicos deveriam ser criados em áreas industriais ou em via de industrialização. [...] Previu-se que dessem o grau de bacharel e abrissem caminho para a licenciatura universitária. É um dos nossos males, esse, de ninguém se sentir feliz sem ser doutor. De modo que nos arriscamos a continuar sem os tais técnicos formados, não para teorizar, mas para executar.
[...]
Não está nas nossas tradições o numerus clausus: mas sob pena de deixar de ter qualquer seriedade o ensino, tínhamos de o adotar. A massificação da frequência das escolas destrói toda a possibilidade de formação universitária digna desse nome.
[...]
A democratização do ensino não pode ser sinónimo de aviltamento dele. Erro enorme será não selecionar entre os mais capazes os que devem aceder aos cursos superiores, procurando fazer um criterioso trabalho de orientação profissional que dirija cada um para a atividade onde mais facilmente e com maior proveito para a coletividade possa dar boa conta de si."
As conclusões ficam para o leitor e para a leitora
Tiago Mestre
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