4 de novembro de 2011

EFSF - O fundo sem fundo

Caros leitores e leitoras, apesar de aqui no Contas sermos descrentes acerca das políticas europeias que temos assistido pelas elites, ainda acreditávamos que na cimeira do G20 a Sra. Merkel e o Sr. Sarkozy conseguissem convencer potenciais parceiros para se envolverem na aquisição de obrigações do EFSF. Não é que acreditemos neste mecanismo de geração de dívida para liquidar dívida, mas pensávamos que pelo menos algum líder pesasse os prós e contras e percebesse que seria menos mau investir do que não investir.
Pelos vistos, mesmo pesando os prós e contras, ninguém quer "enterrar" dinheiro no EFSF, mesmo com a supervisão do FMI. E como nós os compreendemos.

O EFSF é um mecanismo que ainda ninguém sabe ao certo o que é. O que conhecemos do EFSF é a última versão que corre na imprensa da especialidade: um instrumento que actua como um seguro em caso do investidor perder até 20% do valor de uma obrigação que detenha. Ou seja, se eu comprar uma obrigação de um país a 10 euros e passado 1 mês o mercado secundário esteja a transaccioná-la a 8 euros, significando uma perda de 20%, o EFSF paga ao investidor a diferença: 2 euros. Mas se a obrigação descer abaixo dos 8 euros, a partir daí o EFSF já não se responsabiliza pelas perdas subsequentes. Este mecanismo é muito semelhante aos contratos de Credit Default Swaps (CDS), que servem como um seguro no caso do bem segurado perder valor. E não deixa de ser uma tremenda ironia que há 2 semanas que a UE decidiu banir a realização de novos contratos CDS sobre activos europeus. Suspeitamos que a UE não deseja competição nesta área de negócio!


Como se pode perceber, este mecanismo é duvidoso e cheio de rasteiras porque não se baseia em liquidez, mas sim numa promessa de que os países com notação AAA se chegarão à frente no caso das obrigações perderem o seu valor. Paralelamente, na cimeira de 27 de Outubro ficou decidido que os investidores que possuem obrigações da Grécia deverão, voluntariamente, declarar 50% desse valor como prejuízo, porque a UE não tem intenção de o pagar. A UE solicitou que esta operação fosse voluntária, e não obrigatória, porque assim esquiva-se à denúncia dos contratos CDS que falámos atrás, ou seja, como é voluntário, o investidor não pode accionar o seguro CDS. Este jogo é demasiado ambicioso e não acreditamos que consigam levar a sua avante, e porquê? 


Porque os banqueiros e gestores de fundos sabem que a UE necessita deles para se financiar, e portanto não irão na conversa. Poderão pela frente dizer que concordam com a operação, mas por detrás não vemos vontade dessa malta em começar a registar perdas desta magnitude. Além disso, sentem-se encurralados porque não podem accionar os CDS, o que lhes permitia obter algum encaixe, em vez de ser só prejuízo. Suspeitamos que não irão registar as perdas, como não registaram quando se lhes pediu 21% de perdão em Julho da dívida grega. Preferem antes vendê-las ao desbarato, pelo menos não se perde tudo.

Os líderes europeus têm imenso medo das consequências no mercado de uma denúncia massiva dos contratos CDS. A memória ainda é fresca sobre o que se passou em 2008 com a seguradora AIG, que fez contratos CDS em larga escala, e que depois quando começaram a ser resgatados pelos investidores, a AIG viu-se, da noite para o dia, em falência.


Paralelamente, este acordo sobre o incumprimento de 50% da dívida grega cria um grande precedente que é a noção de que se hoje perdoam à Grécia, amanhã perdoarão à Itália, e depois de amanhã à Espanha, a Portugal e à Irlanda. Nenhum investidor quererá manter no seu portefolio obrigações destes países porque ninguém quer ficar na fila à espera que lhe digam que o seu investimento se evaporou. O BCE acaba por apoiar este sentimento, já que toda a gente sabe que este tem estado activamente a comprar no mercado secundário este "lixo" obrigacionista, manipulando todo o mercado, só para que o preço das mesmas não colapse num espaço de poucos dias. Na óptica do investidor, este é o melhor momento para vender obrigações. O BCE amanhã poderá lá não estar para as comprar, logo o melhor é vendê-las hoje. Este é o cenário que irá acontecer, mais cedo ou mais tarde, já não temos dúvidas.


No final da semana passada e durante toda esta semana vimos o BCE a adquirir massivamente obrigações italianas, que são as que estão agora na fila de espera para serem despejadas. Amanhã serão as espanholas, depois as belgas, as portuguesas, as irlandesas e depois as francesas, não necessariamente por esta ordem.

Mário Draghi, ou carinhosamente, Super Mario, não conseguirá suportar o preço das obrigações do seu país de origem, por muito que queira, e quanto mais manipula, mais falido fica o BCE e a moeda que o suporta. 



Para todos os comentadores que aparecem na televisão portuguesa defendendo que o BCE deve activamente adquirir as dívidas dos países em problemas, oxalá leiam alguns posts aqui do Contas e comecem a ponderar melhor, porque essa ideia peregrina do BCE salvar tudo e todos é uma ilusão, quanto muito vai adiando o inevitável. O mercado sairá vencedor mais uma vez e os incumprimentos terão que ser generalizados, em larga escala, com as perdas subsequentes para todos, sobretudo pare os cidadãos que pouco ou nada têm a ver com estas questões.


Tiago Mestre

Sem comentários: