6 de agosto de 2012

O cheiro a canela da dívida

Tendo o recurso à dívida se tornado um fenómeno massivo no mundo ocidental nas últimas 2 décadas, é caso para perguntar:

Que virtudes terá este tipo de instrumento financeiro para ter conseguido seduzir literalmente meio mundo?

A resposta, por muito básica que seja, enraíza-se em algo muito mais profundo:

A necessidade do ser humano em querer obter o maior número de bens com o menor esforço possível.

Quando contraímos uma dívida estamos a obter poder de compra no imediato, adiando para o futuro o "sofrimento" a que essa mesma dívida nos obriga.
E sempre que o ser humano adia um compromisso para um futuro mais ou menos longínquo, os mecanismos neuronais subjacentes a esta tomada de decisão não o fazem sentir-se "culpado", e muito menos a necessidade de sofrer, ou de ter medo.

Ninguém gosta de suportar a dor já, todos preferem adiá-la tanto quanto possível, concentrando-se apenas no prazer de obter aquilo que se deseja no imediato.
A dívida permitiu ao ser humano desligar-se da dor que é trabalhar primeiro para acumular excedente e só depois adquirir o que deseja.

Acreditamos que só 2 % da população prefere sofrer primeiro com a "pancada" e depois então usufruir dos frutos do trabalho. (Esta assunção é totalmente especulativa!)

É no meio de todo este complexo enredo neuronal que surge a "beleza aparente" da dívida e suas virtudes ilimitadas.
A dívida explora a fraqueza neuronal do ser humano em não sofrer AGORA com o acumular de obrigações para o futuro.
Se pensarem bem, no futuro deixaremos todos de fumar, faremos exercício físico, seremos mais prudentes e não cometeremos asneiras.
Somos tendencialmente otimistas com o futuro por este abrir espaço para tudo aquilo que não nos apetece ser agora.

A solução está em elevar ao poder os 2% que não se deixam enganar pela aparência da dívida e assim desenvolverem políticas que moderem o ímpeto dos restantes 98% que facilmente se deslumbram com o cheiro da canela.

Tiago Mestre

10 comentários:

Manuel Galvão disse...

Nada disso! O que se passou foi que os grandes bancos americanos, em conluio com o FED, lançaram a burla mais sofisticada do século: A BURLA DOS JUROS BAIXOS E CRÉDITO FÁCIL.

Inspirada na actuação dos velhos cantineiros africanos, que "vendiam fiado aos pretos tudo o que eles pedissem". No fim do mês, quando recebiam o soldo, tinham que pagar as dívidas, após o que ficavam sem nada ou, na maior parte dos casos, ainda tomavam conhecimento que a dívida para com o cantineiro tinha aumentado.

Dividas ao cantineiro significavam não poderem abandonar o patrão, nem as condições de trabalho impostas por este.

Tiago Mestre disse...

Caro Manuel:

JUROS BAIXOS E CRÉDITO FÁCIL = ESTIMULAR AINDA MAIS A NOSSA FRAQUEZA

Um juro alto limita o ímpeto, não achas?

Vivendi disse...

E estimula a poupança!

Fernando Ferreira disse...

"A solução está em elevar ao poder os 2% que não se deixam enganar pela aparência da dívida e assim desenvolverem políticas que moderem o ímpeto dos restantes 98% que facilmente se deslumbram com o cheiro da canela."

Nao e' preciso "desenvolverem-se" politicas nenhumas. Deixando que as taxas de juro sejam estabelecidas pelo mercado livre e' suficiente.

Quem pede emprestado e empresta devem avaliar a verdadeira capacidade de pagamento da divida, sem qualquer possivel recurso a resgates por parte do estado.

A real possibilidade de ter de suportar os prejuizos das decisoes erradas de cada um, de quem empresta e de quem pede emprestado, e' a condicao suficiente para por racionalidade e moderar completamente o impeto dos tais 98%.

Cumprimentos!

vazelios disse...

Boa Filosofia caro Tiago.

Penso que têm razão mas o problema vem desde a educação primária...

Vem do que os pais ensinam e nos ensinam na escola. Ninguém me estimulou a poupar na escola, dou graças a Deus por ter aprendido em casa.

Ninguém obriga ninguém a endividar-se e se os bancos lançaram a fraude o problema foi dos que foram nela, excessivamente. Um creditozinho aqui e ali, pontualmente,é bom para a vida. Levanta-nos a moral também.

Agora ultrapassar o 1/3 do rendimento disponivel mensal com renda, contas e creditos por pagar começa a ser sufoco (esta é apenas a minha opinião)

Basta as pessoas estabelecerem o seu rácio e jogarem mês a mês. Sei que para muito é muito dificil, mas para outros não. Se quiserem por o seu racio nos 80% não se queixem. Agora se não percebem o bom que é chegar ao fim do mês nem que seja com 100 euros poupado, é problema deles.

Sinceramente, não tenho pena de muitos que têm dificuldade em pagar o que devem. Não sabem o que são spreads, não sabem como funciona o sistema bancário, e não lêm as entrelinhas dos contratos.

Tiago Mestre disse...

Fernando, acredito que serão os tais 2% a "exigir" o mercado livre na formação do preço do dinheiro como sugeres.

Para repor a liberdade na formação do preço do dinheiro infelizmente são precisas políticas... para desfazer políticas. É triste, mas é assim mesmo.

Quem poupa e investe, os tais 2%, sabe e "sente" que o preço do dinheiro deve ser regulado pelo vendedor e pelo comprador, e não por políticos desregrados que baixam os juros só para salvar a... pele, ai, a economia.

Jorge disse...

Não deixando de concordar convosco, ressalvo que existe muito boa gente que se endividou com conta peso e medida ou seja nunca ultrapassando os rácios de 40% do seu rendimento e agora por inerência do próprio mercado estão com rácios de perto de 80%.

Não quero deixar de lembrar que de 2008 até agora o cidadão comum já teve uma quebra superior a 30% do rendimento quer através do aumento de impostos quer através da própria diminuição salarial que já vem a decorrer desde fins de 2007 e princípios de 2008.

Existe gente irresponsável sim mas não são a maioria.
.
Os próprios bancos não querem saber desta gente para nada e são vitimas da sua própria politica uma vez que não estão abertos à renegociação de taxas nem spreads nem nada.
Só querem saber quando o dinheiro deixa de cair e ai já é tarde, tenho casos de empresas perfeitamente solventes, à ano e meio, se chegou à de que só uma falência resolveria a questão uma vez investimentos iniciados à dois anos tiveram taxas retorno mais baixas do que esperado ( e claro esse cancro da finança os calotes ), mas que poderiam continuar a a ser perfeitamente viáveis se também existisse um esforço por parte das instituições financeiras e com certeza que o mesmo se passa para o privados não empresas.
A responsabilidade aqui é de todos, e o que se está a fazer é imoral se os bancos perdem que abram falência como todos os outros.
Mesmo gerindo um negócio da melhor maneira existe risco muitas vezes bastam que as taxas de crescimento baixem 3% para se não existir flexibilidade acaba-se tudo.

Portanto deixam lá de ser tão moralistas e passem a ser realistas!
Todas as soluções apresentadas sejam impressão, austeridade, capitalismo, socialismo, liberalismo, etc... não passam se estratégias antigas para resolver os mesmos problemas que essas mesmas estratégias geraram.

Já era tempo de começar-mos todos a pensar noutro tipo de formas de organização mais racionais, mais naturais e mais capazes de gerarem conforto e felicidade para o ser humano e podem crer este sistema não é capaz disso colapsou sempre e vai colapsar outra vez tão certo como 2+2=4.



"We can't solve problems by using the same kind of thinking we used when we created them."


A human being is a part of a whole, called by us _universe_, a part limited in time and space. He experiences himself, his thoughts and feelings as something separated from the rest... a kind of optical delusion of his consciousness. This delusion is a kind of prison for us, restricting us to our personal desires and to affection for a few persons nearest to us. Our task must be to free ourselves from this prison by widening our circle of compassion to embrace all living creatures and the whole of nature in its beauty




Albert Einstein

Fernando Ferreira disse...

Jorge, tu poes o capitalismo no saco das "teorias que ja foram tentadas e que nao funcionam" mas a realidade e' que o verdadeiro capitalismo nunca foi tentado. O "capitalismo" crony que ves a tua volta nao tem nada a ver com o capitalismo de mercado livre. O que diferencia o capitalismo de mercado livre do capitalismo crony? Muitas coisas. Entre elas, o capitalismo de mercado livre exige:

- Uma "hard currency" (padrao-ouro ou outro escolhido livre e voluntariamente pelos intervenientes no mercado), que nao possa ser manipulada e produzida pelos politicos;

- O fim da banca de reserva fraccionaria (regresso a 100% de reservas);

- O fim dos bancos centrais;

- Que as taxas de juro sejam estabelecidas pelo mercado;

- O fim dos bailouts de bancos, empresas ou mesmo paises falidos;

- O fim de monopolios, tarifas proteccionistas e qualquer forma e manipulacao por parte do estado;

- O fim do proprio estado...

Como ves, Jorge. o capitalismo nunca foi tentado. O que temos hoje no mundo ocidental nao passa de mais uma forma de fascismo, nao muito diferente do estado novo. A diferenca e' que no estado novo existia um ditador que nao foi escolhido pela maioria dos eleitores e agora existem um grupo de ditadores que foram escolhidos pela maioria dos eleitores... Continuam a ser ditadores, continuam a manipular a economia, continua a favorecer os amigos, continuam a aldrabar os numeros, continuam a enterrar os portugueses. Se ainda nao viste, convido-te a ver o documentario "Os donos de Portugal" http://vimeo.com/40658606
Cumprimentos!

Jorge disse...

Já vi o documentário (mas obrigado na mesma).

Se repares por breves momentos na historia dos Estados Unidos existiu o verdadeiro capitalismo desde a independência até meados do SEC XIX.
Claro que também existiu fome, muitas dificuldades e escravidão e colapsou também com a guerra da sucessão levando depois à criação FED (já mais tarde mas sem duvida influenciada também por esta).

Como eu tentei explicar em cima fazemos parte de um todo, basta olhar para a natureza ela já tem os seus próprios sistemas. É escolher o mais apropriado e implementar:

RELAÇÕES INTRAESPECÍFICAS HARMÔNICAS:

Sociedade

Colônia

RELAÇÕES INTRAESPECÍFICAS DESARMÔNICAS:
Canibalismo

Competição

RELAÇÕES INTERESPECÍFICAS HARMÔNICAS:

Mutualismo

Protocooperação

Inquilinismo

Comensalismo

RELAÇÕES INTERESPECÍFICAS DESARMÔNICAS:

Amensalismo

Predatismo

Parasitismo

Competição


Resta dizer que nenhuma delas envolve dinheiro, é claro que podemos fazer muito melhor dispomos de tecnologia e um cérebro

Fernando Ferreira disse...

Caro Jorge,
O capitalismo de mercado livre e' o que melhor se adapta a natureza humana, creio eu. E' baseado no desejo do beneficio proprio e no incentivo.
Todos nos agimos incentivados pelo beneficio proprio e isso nao e' uma ma' coisa, como muitos poderiam pensar. Hoje em dia esta implantada a idea de que se eu ajo em beneficio proprio estou, necessariamente, a prejudicar alguem e isso nao e' verdade.
Por exemplo, quando estou muito bem deitado no sofa a descansar e da-me a fome, o que me faz agir e ir fazer uma sandes de torresmos e' o beneficio proprio que vou obter ao fazer a sandes e come-la.
O capitalismo de mercado livre e' baseado no mesmo principio, o ser humano aje, cria, em beneficio proprio, com o objectivo de lucrar com a accao. Como lucramos mais cooperando VOLUNTARIAMENTE com outros e nao podemos fazer tudo sozinhos, criamos empresas que vao beneficiar outros (colaboradores e consumidores dos bens ou servicos que produzimos).

E' a beleza do capitalismo de mercado livre, cada um so realmente consegue prosperar alastrando a prosperidade a outros. So teremos sucesso enquanto formos capazes de produzir bens e servicos que agradam aos consumidores e que estes, voluntariamente, compram. Quando deixarmos de ser capazes disto, vamos a falencia. Outra coisa extraordinaria do capitalismo de mercado livre e' que NAO PRECISA DE PLANEADOR CENTRAL.

Ora os politicos distorcem todo este equilibrio usando a coercao. Criam-se, entao variados grupos de interesse que peceberam que nao precisam trabalhar ou precisam trabalhar muito menos, se tiverem o estado a fazer pender a balanca para o lado deles. E assim aparecem as associacoes profissionais, os sindicados, as associacoes de industriais, de comerciantes, de bancos, disto e daquilo, todos a procura do mesmo, um quinhao do que o estado rouba.

Enquanto nao se perceber isto, nada mudara...