Sobre a Grécia, berço da democracia.
Atribui-se ao cidadão Sólon os primórdios da democracia. No início era o povo que votava para eleger os orgãos de justiça e estava impedido de eleger os governantes e os legisladores, ao contrário do que acontece nas democracias que conhecemos hoje.
O território que se define como Grécia foi palco de inúmeras guerras, disputas e toda a espécie de conflitos regionais. Estando na fronteira entre a Europa e a Ásia, frequentemente era assolada por invasores, vindos tanto de um lado como do outro.
A guerra e as discórdias foram sempre ingrediente fundamental na história grega, pelo que daí se pode inferir que a democracia foi mais uma tentativa de resposta a todos estes problemas. Por outro lado, a democracia exercia-se fundamentalmente na cidade-estado de Atenas, não se estendendo a todas as partes do território grego, com especial relevância para Esparta, onde as regras de sociedade eram bastante diferentes das dos restantes territórios. Muitas zonas da Grécia eram regidas por outro tipo de leis e constituições, como a Calcedónia, a Lacedemónia, a Macedónia ou Creta, revelando a pluralidade de ideais e modos de construir uma sociedade.
Da história que conhecemos da Grécia antiga, e recorrendo a escritores e filósofos como Heródoto, Platão, Sócrates, Aristóteles ou Tucídides, nunca em tempo algum houve descanso naquelas paragens. O Império Persa foi sempre um engulho e a vontade de se degladiarem nunca cessou. A democracia alternou com a tirania e ciclicamente trocavam de lugar. Talvez o melhor exemplo de democracia tenha sido o principado de Péricles, por volta de 450 A.C. Este homem exerceu durante duas décadas uma verdadeira liderança sobre a cidade de Atenas, tendo sido o seu opositor político, Tucídides, o biógrafo que escreveu para a posteridade as qualidades e a vida deste homem. Esta democracia resvalou para uma quase liderança de monarca, tendo sido apelidada de principado por Tucídides, aludindo às qualidades de príncipe de Péricles. Outro exemplo das dificuldades da democracia naquelas paragens demonstrou-se com a condenação à morte de Sócrates, indívíduo que pelo seu estilo de argumentação provocava a ira daqueles que diminuia intelectualmente no dia-a-dia. A liberdade de expressão era ainda um conceito embrionário e certamente mal interpretado na sociedade.
Sobre a personalidade dos gregos e seus mistérios, numa das muitas guerras entre gregos e persas, Heródoto conta-nos a história de Temistócles, bravo guerreiro naval grego que granjeou fama e prestígio em Atenas. As coisas começam a correr mal a este senhor quando opta por defender uma estratégia diferente à que os seus líderes navais preconizavam. A ousadia em querer atacar os persas numa enseada onde estavam "estacionados" em vez de esperar por eles em território mais helénico saiu-lhe cara e rapidamente se tornou alguém muito indesejável. Atenas não lhe perdoou, e já depois de uma campanha naval ao largo da ilha de Egina iniciou negociações com o império persa para lhe darem guarida nos vastos territórios que conquistara. Este comportamento de negociar em ambos os lados para conquistar tempo e levar a sua a melhor faz-nos lembrar atitudes recentes do governo grego.
Outra história que revela a capacidade dos gregos de se dissimularem e arriscarem tudo foi a famosa ideia de Ulisses, líder guerreiro no confronto entre a Grécia e o reino de Tróia, em fabricar um cavalo gigante de madeira, oferecendo-o ao rei Príamo de Tróia como presente pela rendição dos gregos, mas armadilhado com guerreiros atenienses no seu interior. Esta ideia engenhosa, bem "out of the box" valeu a vitória da Grécia sobre Tróia e com isso a sua total destruição.
As histórias multiplicam-se e revelam a sabedoria dos gregos em negociar, em fazer bluff, em dissimular e, no meio de tudo isso, praticar alguma espécie de democracia. A cultura helénica é muito mais do que transparece nos jornais e televisões da actualidade, é a arte do engenho e da filosofia ao serviço da resolução dos problemas da sociedade e das limitações dos seus cidadãos. Lamentamos profundamente o escárnio com que o mundo olha hoje para a Grécia e para o seu recente namoro com a União Europeia.
Tiago Mestre
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