A propósito de um comentário nosso publicado no blog Portugal Contemporâneo, decidimos transcrever o comentário abaixo:
Uma moeda, qualquer moeda, deve significar uma forma de energia. Energia é a capacidade de realizar trabalho.
Se eu produzo cereais e apliquei energia no seu cultivo, o interessado em comprar deve-me pagar em função dos excedentes que possui (fruto da energia que ele despendeu), da importância que tem para ele a minha cultura e do valor energético que eu acho que a cultura possui.
1ª conclusão:
Os mercados já existiam antes sequer de haver moeda.
E se o comprador não tinha excedente naquela altura, mas só daqui a 1 mês, poderia ficar a dever caso o vendedor aceitasse.
2ª conclusão:
Já havia crédito antes de haver moeda.
A moeda apareceu como mecanismo fácil, portátil e fiável de transferência e preservação de energia face às dificuldades de transporte, preservação e troca de bens excedentários.
Mas este esquema só funcionaria se fosse credível aos olhos de toda a gente. Para tal deveria possuir um valor intrínseco que, contabilizado em função do seu peso e da matéria prima de que era constituída pudesse representar uma dada quantidade de energia: valor.
O ouro, pelo facto de ser difícil de obter, fácil de trabalhar e de manter a sua cor dourada sem sofrer nem com a oxidação nem com variações de temperatura, foi talvez o primeiro metal de que os seres humanos se lembraram para representar energia e valor.
Tem sido assim durante milhares de anos. Penso que data de 3 ou 4 mil anos AC as primeiras formas de crédito e de moeda na Suméria.
Mas a 13 de Agosto de 1971 passámos do mundo real para o mundo virtual: Nixon suspende (temporariamente, disse ele. Faz-me lembrar a história agora dos subsídios em Portugal) a convertibilidade do dólar em ouro (35 dólares por cada onça), decisão que tinha sido tomada em 1945-46 nos acordos de Bretton Woods. Nesta reunião, os EUA, na mó de cima por terem ganho a guerra e salvo a Europa do jugo nazi, sugeriram ao mundo ocidental que era preferível guardarem dólares em vez de ouro. Os EUA seriam fiéis depositários do ouro e pagariam juros às nações que preferissem dólares, já que sobre o ouro não se pagariam juros nenhuns. A proposta parecia irrecusável, e assim foi.
Mas com a década de 50 e de 60, a tentação dos políticos americanos em financiar guerras, ir à Lua, e outras extravagâncias que tais fê-los gerar deficits nos seus orçamentos, e às escondidas do mundo começaram a imprimir dólares sem acautelarem os rácios de ouro que se exigia.
Charles de Gaulle em França topou a aldrabice e antes que o dólar perdesse valor aos olhos de todo o mundo, enviou os dólares de volta para os EUA para receber o ouro com o tal rácio de 35 dólares a onça. A propósito, Salazar era um desconfiado por natureza, e com os americanos era ainda mais. A ver-se pelos excedentes orçamentais e pela quantidade de ouro que o Estado Novo acumulou ao longo de décadas, Salazar não caiu na esparrela, e quer se goste dele ou não, o homem teve razão nesta matéria.
Moral da história:
Os políticos manipularão sempre, mas sempre as moedas. Foi assim no império Romano, com a moeda Denariu e com muitas outras, como foi na América, na República Alemã de Weimar, no Zimbabué, na Argentina, em Portugal nos finais da década de 70 e 80 e mais recentemente com o banco central europeu.
A tentação de "fazer" dinheiro é muito grande para os políticos parolos que são tudo menos estadistas, e que em vez de usarem a inteligência para reforçar o código moral, lá concebem estratagemas para aldrabar o sistema, quer seja com ouro, prata, papel, ou mais recentemente, com os computadores.
Fiat vs padrão ouro?
Prefiro padrão ouro apenas pela razão de que é mais difícil aos políticos aldrabar o sistema, apesar de que o iriam fazer com toda a certeza.
Para terminar:
Se voltássemos ao padrão ouro, agora que estamos inundados de papel moeda virtual, veríamos o preço do ouro disparar para valores que não sei calcular e o valor das moedas fiat cairia tb para valores sem explicação.
Relembro que só o mercado de derivados, de acordo com o BIS, já ronda os 800 a 900 triliões de dólares e o PIB mundial não ultrapassa os 80 triliões de dólares!!
Teríamos que dividir toda esta gigantesca massa monetária pela quantidade de ouro que existe e que existirá nos bancos centrais. Por cada onça teriam que "caber" muitos dólares e muitos euros.
Tb é verdade que muitos destes mercados derivados colapsariam e o valor dessas apostas evaporar-se-ia de um segundo para o outro.
Se é possível regressar ao padrão ouro? É.
Se é provável?
Acredito que sim, não tanto pela ação afirmativa, mas mais pela inação, ou seja, os políticos continuarão a imprimir dinheiro até que este se torne pouco mais do que papel pintado, o sistema cai de maduro, e aí, pessoa a pessoa, aldeia a aldeia, cidade a cidade, país a país, cada comunidade saberá inventar um meio de transferência e preservação de energia adequado à sua realidade.
Quais serão esses meios? Não sei.
Serão muitos e diversificados?
Sim, nuns sítios do planeta teremos a prata como padrão, noutros o ouro, noutros o cobre, noutros terra fértil, noutros os cereais, noutros o "good and old" sistema fiat, etc, etc.
Tiago Mestre
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