Já entrou nos radares mediáticos a discussão da incorporação da regra dourada europeia na lei portuguesa.
Desconhecemos o seu teor, não porque não nos interessa, mas porque a vontade subjacente à sua ratificação parlamentar advêm de pressupostos tão irrealistas e imorais que o tornam um nado morto:
- Cumprir o que se exige nesta adenda dourada ao Tratado de Lisboa é uma quimera tecnocrática para países como Portugal encaixados na UME, que se deixaram levar pela bebedeira financeira europeia e que se vêem num caos sem sentido: austeridade para tentar compor as contas e uma recessão às cavalitas da austeridade.
- Reforça o Tratado de Maastricht, mas como este foi violado, e violado, e novamente violado, ano após ano, sem consequências para os prevaricadores, uma segunda exigência no cumprimento das regras de endividamento e de déficit é uma redundância e perde valor. Se não se cumpre o que se assinou no primeiro papel, duvidamos que se cumpra o que se assinou no segundo.
- O Tratado de Lisboa é, grosseiramente, uma farsa. Procede de um Tratado Europeu que foi chumbado na Holanda e em França por referendo. Quão sábio já era o povo europeu em 2004 e 2005 quando se negava a transferir poder para Bruxelas. Foi ratificado nas assembleias de cada país à socapa do povo, com medo dos resultados, à exceção da Irlanda, que por motivos constitucionais foi a referendo. Chumbou à primeira e lá passou à segunda.
Depois de ser ratificado foi violado sem apelo nem agravo; e consequências para o prevaricador? Nenhumas. A face mais visível desta vilanagem foram as compras de dívida soberana pelo BCE, quando o artigo 123º proíbe explicitamente este tipo de operações.
- Tanto quanto sabemos, país que não assina vê-se excluído do acesso ao fundo de resgate ESM. Comentários para quê?
- A nossa cultura portuguesa, pela sapiência acumulada durante séculos, sabe relativizar e descartar as leis que se distanciam do bom senso comum.Não é uma assinatura num papel que tornará as nossa contas públicas um exemplo de disciplina financeira.
A saúde financeira do estado só advirá se os "bond vigilantes" estiverem sempre atentos às asneiras dos políticos portugueses. E como? Exigindo juros altos. E porquê? Porque o juro é o mecanismo que interpreta a percepção de risco, o prémio por emprestar a quem não garante boa gestão da coisa pública. E o que ganhamos com isso? Endividamo-nos menos porque sabemos quão caro é pedir dinheiro emprestado.
Este é que é o melhor Tratado que poderíamos incluir na nossa legislação.
- Conceber tratados que já se sabe que não serão referendados é um favor que os políticos fazem a eles próprios. Escreve-se o que interessa, omite-se o que interessa, fazem-se chantagens veladas, enfim, uma bebedeira pseudo-ideológica que se distancia cada vez mais da vontade dos cidadãos. Veremos!
Este assunto continuará a ter alguma atenção aqui no Contas pela discussão mediática que se está a gerar à volta disto, mas objetivamente é só mais um papel que será assinado hoje e violado amanhã. A Europa já nos habituou a este modus operandi. Muita parra, pouca uva e quase sempre estragada.
Tiago Mestre
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