Sempre que o aumento do preço dos combustíveis atinge o ponto de notícia mediática, cerram-se as fileiras políticas e surgem os argumentos, quer do lado de quem está no poder, quer do lado de quem está na oposição.
Ainda há 2 semanas ouvimos num canal noticioso público uma jovem (talvez demasiado jovem) deputada do PSD que, com o seu belíssimo sotaque do Norte, apregoava que esta questão do preço deveria ser "equacionada" com o reforço de poderes da Autoridade para a Concorrência.
Estávamos nós a ouvir a sua explicação e quando a argumentação se inclinou para este reforço de poderes da Autoridade da Concorrência, até nos apeteceu dizer: "Cuidado com o que vais dizer porque essas afirmações podem sempre revelar-se insinuações de que há cartelização de preços."
Sugerir este tipo de ideias é perigoso, e mais perigoso se torna quando é sintetizado em 2 ou 3 minutos, alimentado sobretudo pela ignorância e falta de humildade em reconhecer a complexidade da situação.
Antes de escrevermos este post ouvimos com atenção a última audição do Presidente da Autoridade da Concorrência na Comissão Parlamentar de Economia e Obras Públicas no dia 4 de Abril, e saltam algumas conclusões:
- A autoridade da Concorrência possui poderes disciplinares para atuar em caso de violação das regras da concorrência e fixação de preços. Não precisa de mais poderes;
- Desde 2005 que nunca atuou por nunca ter encontrado indícios que sugerissem a abertura de um processo dessa natureza;
- Das investigações realizadas chega-se à conclusão que a fixação de preços dos combustíveis líquidos não é sujeita a cartelização nem a fixação manipulatória de preços, antes correlacionada de forma cabal com a formação de preço emanada da praça de Roterdão, onde se forma o preço dos combustíveis à saída da refinaria e do custo adicional pelo transporte até ao nosso país.
Estas afirmações não foram refutadas por ninguém da comissão, muito menos pelos responsáveis do PSD. Houve sim questões pertinentes do lado do PCP sobre a formação desse mesmo preço em Roterdão, e eventualmente a forma opaca com que tal preço é formado e por quem o forma.
Fora isso e mais algumas nuances, como a diferença de preço entre as bombas low cost e as de algumas Auto-Estradas, o que manda mesmo na variação dos preços do gasóleo e da gasolina é o barril de Brent transacionado em Londres.
Esta conclusão da Autoridade da Concorrência a nós aqui no Contas não nos surpreende, na medida em que tem sido esse o foco nos nossos posts sobre o preço dos combustíveis. Não excluímos a hipótese de que mais e melhor poderia ser feito pela Autoridade da Concorrência, e com isso talvez até se conseguisse baixar um pouco mais os preços, mas não é isso que verdadeiramente explica este fenómeno.
O fenómeno de aumento generalizado dos preços de combustível explica-se pelos seguintes motivos:
1. Aumento muito pouco significativo da produção de petróleo pelos principais produtores mundiais desde 2005;
2. Redução de consumo no mundo ocidental não neutraliza o aumento dos países emergentes;
3. Volatilidade política em países produtores (Síria, Líbia, Sudão, Yemen, Bahrein, Iraque, Irão) adensa o risco da falta de fornecimento sem haver capacidade produtiva excedentária que compense estas falhas.
4. Injeção massiva de moeda pelos bancos centrais nos mercados europeus e norte-americanos sem uma correlação com o aumento das respetivas economias.
Este último fator é mais difícil de detetar porque apenas se revela de forma indireta, na medida em que os bancos centrais ao emprestarem dinheiro aos banqueiros privados, estes investem-no de forma discricionária nos ativos que consideram trazer maior rentabilidade para o seu banco. Uns apostam em investir na economia e nas empresas, outros compram ações, e outros compram contratos futuros de petróleo. Basicamente perde-se o rasto ao dinheiro.
Sobre as declarações da deputada do PSD, sugerimos ao canal público que reflita sobre estas atoardas informativas que comentadores vão fazendo diariamente sem o menor escrutínio pelo(a) jornalista que modera estes painéis.
Que haja políticos que queiram viver na ignorância e rigidez ideológica, pouco poderemos fazer para alterar, mas é sempre de evitar transpirar estas ideias para os cidadãos que, na sua ignorância, formam uma opinião pública mais desinformada do que esclarecida.
Tiago Mestre
2 comentários:
Boas Tiago
Excelente artigo, o que me deixa um pouco perplexo com estas tiradas de políticos é que não tem vergonha em demonstrar a sua profunda ignorância.
Basta estudar um pouco de teoria dos jogos para perceber o porquê dos preços serem similares entre postos de marcas diferentes.
É o mercado mais transparente em Portugal, foi divulgado há pouco tempo que o combustível antes de imposto é mais barato em Portugal do que em Espanha, a diferença é o imposto.
O que tenho lido é que o principal responsável pela subida do petróleo é o QE e LTRO.
Em Portugal penso que a não descida dos impostos (maioria é percentual, logo quanto mais subir o preço mais sobe o montante de imposto de cada litro) é para forçar a uma redução do consumo de forma a assim o ajustamento da balança comercial ser mais rápida.
Em relação aos comentadores, é interessante ver serem sempre os mesmos, e muitos antigos ministros responsáveis pela nossa situação continuarem a opinar e serem pagos, alguns pela rtp, isso revolta-me
Olá Filipe!
QE, Twist e LTRO: todos estes programas significam injeção massiva de dinheiro numa economia que não aumenta o seu PIB proporcionalmente. Aliás, em muitos países europeus assiste-se a uma queda do PIB, significando a necessidade de menos dinheiro na economia para satisfazer as transacções correntes.
O dinheiro injetado é uma consequência natural das fragilidades que se criaram no sistema bancário: muitos ativos e pouco capital próprio tornaram bancos pequenos e seguros em bancos gigantes e precários. Aos olhos de Draghi e Bernanke, a inflação é uma espécie de "mal menor" comparado com o colapso do sistema bancário.
Enquanto que a inflação é a dividir por todos, o colapso do sistema bancário é a dividir pelos banqueiros e por arrasto um tsunami económico no mundo ocidental.
Quem tem que decidir no dia-a-dia depara-se com esta dura realidade, e só grandes estadistas é que não sucumbem à vertigem do imediato.
Abraço, Tiago
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