Muito se tem falado sobre o poder da alta finança na condução dos negócios públicos.
É já hoje sabedoria comum que os governos dos países ocidentais e respetivas democracias tornaram-se reféns dos diktats financeiros. E. para mal dos nosso pecados, não estamos muito longe da verdade.
Em retroespetiva:
1. A moeda deixou de ser um mecanismo de transferência e PRESERVAÇÃO de riqueza para se tornar num instrumento ao serviço das necessidades e vicissitudes da atividade política. Do padrão ouro-dólar que vigorou até 1971, transitámos para um padrão fiat em que a reserva de riqueza de uma moedaé a confiança que a população deposita nela.
2. Com esta benesse monetária a classe política foi lentamente percebendo que a impressão de dinheiro dava um jeitão a despesas crescentes nos orçamentos públicos. A consequência seria inflação, i.e. usurpação de riqueza à população, ou se quisermos, um imposto encapotado. Contudo esta usurpação era silenciosa, difícil de compreender e de analisar.
3. Com a sofisticação das máquinas políticas, as campanhas eleitorais e a luta pelo poder tornaram os políticos meros serventes dos desejos mais íntimos da população. Toda a estrutura do modelo social europeu que hoje conhecemos é fruto de muitas cedências políticas, como a incorporação de subsídios, reformas que não refletem os descontos que se fizeram, acesso ilimitado à saúde. A intenção era boa, a população agradecia, exigia ainda mais, e a classe política para se manter no poder lá ia fazendo milagres para conceder tanta extravagância.
4. Com todas estas "Farinhas Amparo" a população começou a perceber que trabalhar no duro e arriscar para vencer eram atitudes que em nada se revelavam compensatórias. O objetivo era, ou trabalhar no setor público ou trabalhar com o mínimo de esforço e máximo de rendimento. Outros já almejavam não trabalhar de todo e viver dos subsídios.
5. Com tanta decisão anti-económica e anti-capitalista, a economia tinha que afrouxar. As taxas de crescimento na década de 60 no caso português caíram para metade 20 anos depois. Assistia-se a uma maior presença do estado na vida portuguesa e a uma menor participação do setor privado.
6. Com as promessas eleitorais, os políticos tudo faziam para agradar, mas a certa altura, algures na década de 90, passámos aquele ponto em que a receita fiscal do futuro não era suficiente para satisfazer tanta benesse no presente. Para mal dos nossos pecados, foi nessa mesma altura que os juros caíram brutalmente para países como Portugal. A passagem à liga do Euro era interpretada por investidores estrangeiros como um carimbo de credibilidade e apoio dos mais fortes (Alemanha) para com os mais fracos. O prémio de risco baixou tanto que Portugal se tornou, sem o ser, um aluno de excelência aos olhos do exterior.
7. Estava montada talvez a maior armadilha a que Portugal já assistiu na sua história. Fraco crescimento económico, capacidade ilimitada de endividamento, menos produção, mais consumo, e esperança de que tudo correria pelo melhor com o Euro.
É aqui que entra a Banca mundial
8. Com tanto investidor a querer emprestar, dissemos sim a tudo e não nos restringimos em nada. Com a promessa de que tudo pagaríamos no futuro, o que não faltava era crédito.
9. A armadilha não foi só para Portugal, foi praticamente para todo o mundo ocidental.
10. Na década de 2000, e face às evidências de fraco crescimento económico no Ocidente, a classe política clamou por políticas que estimulassem o crescimento. E quais eram os instrumentos que estavam ao seu dispor? A manipulação das taxas de juro e a impressão de moeda como mecanismo de concessão de empréstimos a quem quer realizar despesa ou investimento. Os estados queriam fazer despesa para agradar, e como as receitas fiscais ficavam pelo caminho, compensava-se com a emissão de obrigações.
Como o dinheiro impresso ainda sobrava, bastava alterar legislação para se estimularem certos setores da economia para ajudar ao crescimento, e assim se criaram as grandes bolhas económicas que hoje todos conhecemos.
George W. Bush, com a ajuda de Alan Greenspan, puseram em marcha a grande bolha imobiliária dos EUA: taxas de juro a 1%; bancos com capitais próprios minúsculos face aos ativos; obrigação da Fannie e Freddie em garantirem todas as hipotecas, salvar instituições bancárias em falência, etc, etc.
11. Com tanto investidor a obter fundos a taxas de juro a 1% ou menos durante 3 ou 4 anos pelos maiores bancos centrais do planeta, a liquidez monetária não conheceu limites. Pedia-se o que se queria e investia-se onde se achava que era melhor.
12. Os governos ocidentais que estavam "proibidos" de pedir aos respetivos bancos centrais a aquisição das suas obrigações resolveram muito bem este dilema ao exigir aos Bancos centrais que emprestassem a qualquer banco o valor que este queria, e assim se garantia que todas as obrigações tinham procura suficiente para manter o juro baixo.
13. Num certo dia, que todos nós desconhecemos, passámos o tipping point: os governos e muitas instituições privadas já não conseguiam assegurar no curto-médio prazo a cobertura de despesas através das receitas: o continuado endividamento era uma necessidade ao ponto de servirem para pagar salários e despesas correntes.
14. Conclusão:
Os políticos quiseram
Os bancos sonharam
A dívida nasceu
Foram os políticos que transferiram o poder para a banca porque foi esta que lhes garantiu as condições para (se) servirem nos mandatos em que foram eleitos pelo povo.
Hoje, a relação entre os Estados e a banca é tão forte e conexa que ambos precisam um do outro para sobreviverem.
Ouvíamos ontem alguém dizer, e muito bem, que eram como gémeos siameses que partilhavam o mesmo coração.
Muito mais haveria a dizer. Ficamo-nos por aqui.
Tiago Mestre
2 comentários:
Os políticos quiseram
Os bancos sonharam
A dívida nasceu
Essa ganhou a frase do dia no meu blog...
Muito boa a sua frase. Não podia ser a melhor imagem do que passou e passa... Os meus parabéns a quem a visualizou...
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