22 de abril de 2012

As Contas públicas do final da 1ª República e do início da Ditadura - comparações com a atualidade

Queremos com este post informar os leitores e as leitoras daquilo que foram as contas públicas portuguesas na segunda e terceira décadas do século XX e algumas analogias que se podem formar com os dias de hoje.

Não queremos fazer nenhuma apologia nem preferência dissimulada a qualquer um dos regimes. Pretende-se tão só analisar os números e percebermos se o que se fez na altura e pode ser comparável com o que se tem que fazer hoje.

As contas públicas em quase toda a década de 20 do século XX refletiram défices públicos permanentes, complementadas por impressão monetária, emissão de bilhetes do Tesouro e saldos negativos crescentes na conta corrente da Caixa Geral de Depósitos.


Ano de Gerência:       Défice Público  |  Circulação Fiduciária  |  Bilhetes tesouro |  Saldo negativo na CGD
                                    Valor anual               Somatório                  Somatório                Somatório

1920-1921                -188 mil contos         611 mil contos          82 mil contos           131 mil contos
1921-1922                     -190                           737                           201                         156
1922-1923                     -501                          1054                          261                         269
1923-1924                     -228                          1420                          246                         269
1924-1925                     -243                          1763                          270                         235
1925-1926                     -122                          1821                          566                         504
1926-1927                     -642                          1854                          1042                       539
1927-1928                     -181                          1857                          1103                       629

As políticas praticadas no período aqui referido, bem como nos primeiros 10 anos da República e nos 80 anos de Monarquia Constitucional assemelham-se em muito às que foram aplicadas na nossa democracia desde o 25 de Abril:

Déficits constantes;
Impressão de moeda e
Emissão de bilhetes de Tesouro

A inflação era galopante e reinava a desordem no Ministério das Finanças. Sacrificava-se o futuro  a troco da salvação do momento, evitando a todo o transe a execução de reformas estruturais que o país e o Estado exigiam.

Com a mudança de regime e a entrada de Salazar para a pasta das finanças, o Estado passou a acusar saldos positivos: contrariavam-se assim décadas de deficit.

Ano da Gerência                            Défice Superavit Público
1928-1929                                           +275 mil contos
1929-1930                                           +40
1930-1931                                           +152
1931-1932                                           +150
1932-1933                                           +84
1933-1934                                           +130
1934-1935 (18 meses)                         +317
1936                                                    +228
1937                                                    +212
1938                                                    +241
1939                                                    +134

Toda a década de 30 foi, em termos económicos, bastante má.
O PIB pouco cresceu e as receitas públicas estagnaram. A única forma de manter as contas em ordem era manter um nível de despesa inferior à receita, impondo rigor, disciplina e austeridade aos restantes ministérios.
                                                      Receitas totais
1928-1929:                             2.057 milhares de contos
1939                                       2.218 milhares de contos               

É interessante analisar os rácios e as grandezas utilizadas na época e agora:
Não havia referência ao défice em função do PIB nem ao PIB em si. As contas do Estado eram tratadas de forma elementar: despesas versus receitas.

E o que fez Salazar para equilibrar o orçamento de 1928-1929?

                          1927-1928               1928-1929
Receitas:                1.554                        1.919
Despesas:              1.943                        1.917

Basicamente, aumentou as receitas (aumento de impostos e reorganização da coleta) e manteve as despesas.

Conseguiria Salazar fazer hoje aquilo que fez há 90 anos?


Duvidamos muito.

Do lado da receita:
Na época o Estado ocupava não mais de 5-7% da economia portuguesa. Mexer assim nos impostos e na coleta não trouxe consequências gravosas para a economia em geral.
Hoje o Estado ocupa 51% da economia e os impostos representam 41%.
Aumentar hoje os impostos como se fez há 90 anos nunca traria as receitas previstas. A economia arrefeceria imediatamente, criando recessão e redução da massa coletável. Basicamente, por muito que se aumentem os impostos já não há economia aonde ir buscar esse dinheiro. Ou foge para a economia paralela ou eclipsa-se simplesmente.

Do lado da despesa:
À época, Salazar apenas tinha que se preocupar com as despesas da República, ou seja, gastos dos ministérios. Não havia reformas nem subsídios de desemprego para pagar, e não gozava de uma pirâmide demográfica altamente desfavorável.
Hoje a maior rúbrica de despesa são as contribuições para a Segurança social, ou seja, dinheiro que é entregue a pessoas que sem ele não possuem condições quase nenhumas de sobrevivência. E se se quer baixar despesa é nesta rúbrica que se tem que mexer, acima de todas as outras.

O Estado que temos hoje, fruto de sucessivos governos impelidos em garantir maior segurança social à população e baseando-se em receitas que se esperava crescerem até ao infinito, criou uma armadilha às próprias contas do Estado que seria ativada quando o PIB deixasse de crescer 2-3% ao ano:
1. Se se reduz despesa, cria recessão
2. Se cria recessão, reduz receita.
3. Se reduz receita, tem que reduzir despesa, perpetuando o ciclo vicioso

O ciclo só parará quando o PIB cair talvez 30, 40 ou 50% face aquilo que é hoje. Não esquecer que o da Grécia já vai em 20-25% desde 2008.
O que os políticos mais desejam é que as economias voltem a crescer para evitar esta correção, e com isso não querem perceber que as economias ocidentais estão hoje sem a energia que outrora possuíam: agricultura, indústria e recursos naturais abundantes.

É esta dissonância cognitiva da classe política que gera o logro de espectativas na população e consequente descredibilização das elites pela sociedade.

Tudo aquilo que conhecemos hoje como direitos e garantias dos cidadãos assegurados pelo Estado serão uma fracção num futuro bem próximo.

O ciclo só parará quando a produção igualar o consumo.

E todos nós sabemos como o consumo descolou da produção nas últimas décadas. A regressão já começou.


Tiago Mestre

Fonte: A Obra de Salazar na pasta das Finanças, Edições SPN (Secretariado da Propaganda Nacional), Lisboa, 1941.

3 comentários:

Vivendi disse...

Importantíssimo post Tiago!

A prova que as coisas não vão lá com conversa como diria Medina Carreira.

A reestruturação parcial da dívida portuguesa é inevitável.

E devíamos começar pelas PPPs.

Ainda se vê por aí o ricardo Salgado a cantar de galo.

Sugestão de leitura:

portadaloja.blogspot.com

Rikki, don´t lose that number...

Filipe Silva disse...

Gostei bastante do artigo, principalmente estar fundamentado em dados reais, dando me a possibilidade de conhecer melhor a realidade.

Debruçando-me sobre o tema, concordo que o Estado deve actuar sobre as duas rubricas que gasta mais dinheiro, sendo estas as Prestações Sociais e pagamento de salários.

Vamos analisar estas duas rubricas separadamente:

Começando pela prestações sociais, nestas existem umas que só em ultimo caso se devem mexer, sendo este último caso a bancarrota total.
O estado ao confiscar durante muitos anos 34,5% do rendimento das pessoas privando-as da liberdade de fazerem o que entenderem desse rendimento, tem a obrigação moral de pagar a pensão.
O RSI deveria deixar de ser pago pela segurança social e passar para o orçamento do estado, dado que este nada tem a ver com contribuições, bem como o subsídio de desemprego e todos os outros abona do estado.
Nas pensões o estado deveria decretar que não pagaria nenhuma pensão acima de 3500€ a funcionários públicos, nos privados não mais de 5000€ deveria proibir a acumulação de pensões e salários(se requer a pensão teria obrigatoriamente de deixar de trabalhar, sob pena de perda da pensão e multa), deveria decretar que não vai aumentar as pensões mínimas, dado que estas são pensões auferidas maioritariamente por pessoas que não comparticiparam para o sistema,

O RSI devia ser extinto (custou 500milhoes o ano passado), os abonos de família e outros subsídios deviam ser extinguidos também.

O subsídio de desemprego devia ser reduzido no montante e na duração.

As remunerações, li no jornal i que o numero de funcionários públicos ascendia a um numero de 810 000, um numero que me deixou perplexo.
O Estado deveria proceder a um despedimento massivo sem indemnização e com subsidio de desemprego limitado no tempo e montante, deveria despedir num mínimo de 50% da força trabalhadora, e proceder a uma redução salarial do restante.

Com isto defendo que se feche hospitais, universidades, esquadras de policia, centros de saúde, escolas, institutos, fundações, etc....

Deveria temporariamente, suspender toda e qualquer regulamentação que recai se sobre a criação de negócios/empresas, apenas obrigando a pagamento de impostos.

Deveria suspender momentaneamente o salário mínimo nacional (depois de reflectir sobre o assunto e sobre o que se passa no mundo, reconsiderei)

Cancelar toda e qualquer obra pública que não tenha comparticipação europeia e que a parte nacional não seja realizada a baixo juro.

Cancelamento dos contratos das PPP, sem indemnização Às empresas

Liberalização da prostituição e do consumo de estupefacientes e consequente tributação dos mesmos.

Fechar empresas publicas que não consigam gerar receitas para cobrir os custos de operacionais.

Renegociação da divida,um hair cut como a Grécia

Ao mesmo tempo de todo isto baixar fortemente os impostos, reduzir os impostos sobre o rendimento singular e colectivo, e capital, tornar o sistema tributário simples e inteligível, liberalizar os despedimentos sem indemnização e sem justa causa,

Tenho completa noção que isto "destruiria" a economia por completo,

Tiago Mestre disse...

Meus caros, agradeço mais uma vez a vossa "fidelização" aos posts que publico e ao vosso reconhecimento pelas ideias que torno públicas.

V.Exas. já mereciam que eu escrevesse sobre este assunto. Aconteceu hoje...

Mas a certa verdadeira a projecção que fazemos para a economia portuguesa, isto vai ser bravo, muito bravo. Preparem-se, a sério!

O Filipe tb concorda que terão que fechar universidades, polícia, reduzir ou até eliminar RSI, etc, etc.
Isto são ideias que consubstanciam fenómenos sociais bem graves e totalmente imprevisíveis.