8 de abril de 2012

Eis o suposto mecanismo de solidariedade interbancário europeu!

Caros leitores e leitoras, da pouca informação que sai dos canais noticiosos acerca dos empréstimos que o BCE concedeu nestes últimos meses aos bancos europeus, dificilmente se percebe alguma coisa. Ter escrito este artigo serve sobretudo para tentar esclarecer quem se interessa pelo assunto e quem ainda não juntou todas as peças do puzzle:

Em Dezembro de 2011 e em Fevereiro de 2012 o BCE promoveu um leilão de crédito para qualquer instituição bancária europeia que se quis candidatar. Para tal, esta deveria possuir activos considerados como colateral, ou garantias, para obter esses mesmos empréstimos. O mecanismo foi denominado LTRO (Long Term Refinancing Operations)
As garantias exigidas pelo BCE vão desde activos classificados como AAA até às obrigações gregas CC, o que é o mesmo que dizer que qualquer ativo tóxico serve.


Com estes 2 leilões o BCE injetou quase 900 mil milhões de euros no sistema bancário. Como comparação, o PIB de Portugal são 170 mil milhões!


Tanto dinheiro fresco à disposição dos banqueiros teve que se revelar em alguma coisa. Basicamente serviu para comprar mais dívida soberana, consequência que Mario Draghi e Vitor Constâncio tanto desejavam, mas também serviu para adquirir contratos futuros de petróleo, ouro, commodities, etc.
Já estas aquisições são algo que Draghi/Constâncio não gostam porque provocam a desvalorização do euro e o aumento dos preços dos bens (inflação).

Paralelamente, os banqueiros deixaram de desconfiar tanto entre si devido a esta injeção massiva de dinheiro no sistema bancário, aliviando o nervosismo que pairava no ar. Mas tal injeção monetária é uma tentativa manipulatória do BCE em querer "conduzir" o sistema bancário da forma que considera a melhor para a UE.
O esquema montado para estes leilões foi definido da seguinte forma:

1. Os bancos privados pediram os empréstimos aos bancos centrais nacionais;
2. Estes por sua vez pediram ao BCE;
3. O BCE concedeu o montante aos bancos centrais nacionais que por sua vez emprestaram aos bancos privados;


Desta forma, os bancos centrais nacionais agiram como intermediários do negócio, ficando estes a dever ao BCE. Este mecanismo não é novo, contudo foi usado no passado recente para montantes muito mais pequenos, maturidades mais curtas, juros mais elevados e exigências na concessão mais apertadas. O programa de empréstimos via bancos centrais nacionais denomina-se TARGET2.

Mas como em todas as manipulações, surgem sempre as chamadas consequências inesperadas ou não previstas:

Como é sabido, foram os bancos privados dos países mais periféricos que mais dinheiro pediram, certamente devido à condição financeira do seu país e à descrença dos investidores estrangeiros. Tal fenómeno criou um desequilíbrio de crédito ainda maior dentro da UE, na medida em que foram os bancos dos países mais pobres que mais dinheiro pediram, ao contrário dos bancos dos países mais ricos, que pouco participaram no esquema LTRO.
A título de exemplo, o Deutsche Bank, talvez o maior banco privado alemão e dos maiores do mundo, não participou neste programa LTRO.

Sendo o BCE uma espécie de congregação de todos os bancos centrais dos países do euro, este financia-se e é comparticipado por todos  estes bancos, sendo que a importância relativa de cada um varia enormemente. O Bundesbank é o banco nacional com maior participação no BCE, aproximadamente 25%, seguindo-se do Banco da França e assim sucessivamente.

Numa frase: o Bundesbank financiou os outros bancos centrais por intermédio do BCE.

Com esta explicação fica mais ou menos claro que quem mais tem a perder com estes empréstimos são os bancos com maior exposição ao BCE e que menos dinheiro pediram para os bancos privados do seu país. O Bundesbank  é sem dúvida o mais prejudicado.
Todo este esquema financeiro só se mantêm de pé porque não se equaciona a saída de nenhum país da zona euro. Mas caso haja rebeldia soberana, o BCE não possui mecanismos legais para ir atrás do dinheiro que os bancos nacionais lhe ficarão a dever, e imaginem quem mais ficará a perder? O Bundesbank, claro!
Com a cortesia do site SoberLook, evidenciamos abaixo o balanço das contas do Bundesbank:

Se o Bundesbank passou a ter 576 mil milhões de crédito por reclamar para com entidades dentro da UE (bancos centrais dos países mais pobres) em Fevereiro de 2012, já os seus compromissos como devedor não ultrapassam os 16,7 mil milhões. Assim se percebe a posição do Bundesbank relativamente aos restantes bancos centrais: altamente credor e pouco ou nada devedor.
E o que pode fazer o Bundesbank para evitar tais responsabilidades financeiras? Pouco ou nada, porque quem manda é o BCE, e se este decide trilhar este caminho, o banco rico terá que o seguir.
É por isso que de vez em quando lá vem um governador do Bundesbank refilar com esta política "folgada" do BCE.


Se a Grécia ou Portugal saírem do euro, as suas quotas no BCE terão que ser redistribuídas pelos restantes membros e as perdas decorrentes da sua saída terão que ser também distribuídas. Um fenómeno destes criará uma enorme pressão sobre o Bundesbank, sobre a opinião pública alemã e sobre todo o sistema político europeu.


Desta forma a Europa continua a empilhar dívida e a exigir cada vez mais compromissos entre países membros. A farsa só continua porque os países AAA continuam a passar "livranças" aos países mais fracos e estes pouco se importam.
Quando os políticos dos países ricos perceberem que estas medidas deixarão de ser temporárias para se tornarem definitivas e que poderão haver perdas reais, aí o cenário mudará.
Até esse dia chegar, os ricos que ainda julgam que têm muito a perder lá vão emprestando e acreditando que os pobres talvez se reorientem, e os pobres que não acreditam nessa reorientação (tipicamente os políticos gregos) exturquem tanto quanto lhes é possível aos ricos sem promessa alguma de pagar de volta. A isto chama-se transferência de riqueza e acumulação de tensão entre países e pessoas.

Mas foi o Bundesbank que "perdeu a paciência" na semana que passou. 
Exigiu ao BCE que futuros encargos financeiros assumidos em nome do Bundesbank tenham por detrás ativos  com maior notação financeira, ou seja, que dêem mais garantias ao Bundesbank que em caso de o dinheiro não ser devolvido pelos países pobres, pelo menos se minimizem essas perdas com o confisco de ativos mais valiosos.
Eis o estado de coisas neste momento:
O BCE quer forçar os bancos nacionais dos países ricos a assumir responsabilidades com os pobres sem nada de jeito em troca.
Os ricos revoltam-se, os pobres calam-se porque lhes interessa!
No dia seguinte ao anúncio do Bundesbank, foi a vez do banco nacional austríaco referir que também alinhará na mesma direção.


 Veremos no que isto dá!

Tiago Mestre

Sem comentários: