Ouvimos nós há uns meses na Antena1, num programa radiofónico com o jornalista Fernando Dacosta, uma sábia frase proferida por um ex-diretor do Diário de Notícias da década de 50 ou 60, não podemos precisar:
"Não digas mal demais de nenhum político porque um dia poderás ter que dizer bem, da mesma forma que nunca digas bem demais de um político porque um dia poderá ser necessário dizer mal."
É neste limbo e com recato nas palavras e nos adjetivos que tentaremos comentar as afirmações de hoje de Passos Coelho acerca da medida de suspensão de reformas ter sido elaborada no maior dos silêncios durante uma semana:
1. Referia hoje Passos Coelho de que a pertinência da medida se insere num quadro temporal em que muita gente está a pedir a reforma, mesmo com a respetiva penalização por ser antecipada, e tal avalanche de pedidos prejudica as contas da segurança social para o ano fiscal de 2012.
2. O modo silencioso com que tudo foi preparado justifica-se também pela necessidade de não se assistir a uma corrida antecipada aos pedidos de reforma, prejudicando ainda mais o carácter da medida.
Sobre a primeira afirmação, o governo reconhece indiretamente que o que previu para 2012 em termos de custos com a segurança social foi um cenário demasiado otimista em função do que a realidade está a demonstrar neste primeiro trimestre. Errou-se na previsão, tudo bem, mas como qual o modo de correcção? Suspendendo unilateralmente um direito que estava consagrado na legislação.
Desta forma o governo passa a mensagem que em qualquer momento pode alterar qualquer legislação que esteja a prejudicar a sua condução orçamental, independentemente da justeza da medida.
A segunda afirmação revela que o governo prevê a reação das populações e adapta-se a essa circunstância. Não tendo já força e credibilidade para cativar as populações através da verdade e da moralidade, nada como efetuar medidas sem dar a oportunidade às populações para decidirem o que é melhor para elas em função do que espera do governo.
O povo tem o direito natural, consagrado em qualquer república e reforçado em qualquer democracia de conhecer previamente e de se pronunciar acerca das decisões emanadas dos que foram eleitos, adaptando-se de seguida face ao que o governo quer impor.
Percebe-se que a necessidade desta suspensão é para que a segurança social não colapse já nos próximos meses, e com esse cenário em cima da mesa, todos os meios servem para justificar qualquer fim. É o desespero a falar.
Puxando a fita atrás:
A segurança social (Caixa de Previdência e outras) era na sua origem meramente um mecanismo de transferência temporária de riqueza do trabalhador para o Estado, sendo este ressarcido posteriormente com o dita reforma.
Hoje a segurança social tornou-se é um instrumento político de confisco de riqueza à população ativa, sob uma promessa infundada de que um dia mais tarde se irá receber uma reforma. Como todo o político gosta de deitar a mão ao dinheiro alheio, sobretudo aquele que está parado, incorporaram-se ao longo destas décadas despesas como os subsídios de desemprego, RSI's e outros instrumentos políticos de caça ao voto, todos eles a "mamar" deste fundo.
As considerações e adjetivações sobre o acima exposto ficam à consideração de cada leitor.
Aqui no Contas, ficamo-nos pela: Abjeção moral.
Tiago Mestre
2 comentários:
Boa noite Tiago
Mais uma vez excelente artigo. O desespero já se apoderou do governo, não tem coragem ou capacidade para fazer o que é necessário.
Há muito que os políticos vêm tendo atitudes deste cariz, basta ver que se candidatam com determinado programa, e uma vez ganhas as eleições faz-se o contrário que se prometeu, justificando com a situação de crise.
Desde 2002, aquando da eleição de Durão Barroso(famosa expressão, "o país está de tanga"), que o país está em "crise".
O comentário realizado sobre a Segurança Social, está fantástico, em acrescentaria que a SS é um esquema Ponzi, só legal porque o é o Estado a fazê-lo.
O PM deveria vir a público e explicar numa comunicação ao país, revelando a verdadeira situação da Segurança Social e actuar em conformidade.
Se fosse PM decretaria que devido às grandes dificuldades da SS e do país, a partir daquele momento o limite máximo de Pensões pagas pela SS seria de 5000€ no sector privado e 3500€ sector publico(apesar de não dever ser legal à luz da nossa constituição).
O RSI, o subsídio de desemprego, abonos de familia etc... iriam deixar de ser pagos pela SS, passariam para o orçamento de estado.
Seria estudada a forma de transformar a Segurança Social num sistema de capitalização, Sendo explicado à população o actual sistema, e explicando o sistema de capitalização. O Tema seria Referendado.
Apesar de não ser favorável à SS, dado tratar se de uma ingerência do Estado na vida das pessoas, um comportamento paternalista, percebo que a maioria da população seja favorável à sua manutenção, logo devemos ajustar as nossas ideias à realidade.
Filipe. a tua observação sobre caracterizar o esquema da SS como Ponzi é totalmente pertinente.
Já não nos espanta estas tergiversações da elite política, em que antes das eleições dizem uma coisa e depois dizem outra. Aliás, este estilo está quase tão incrustado na nossa democracia como a obrigatoriedade de votar. Contudo, moralmente é inaceitável, e tendo nós a possibilidade de relatar estas incoerências no espaço da blogosfera, seria imperdoável se não o fizéssemos.
Sou empresário e tenho 19 trabalhadores comigo, homens, mulheres, dos 22 aos 60 anos, licenciados e não licenciados, tanto no Porto como em Lisboa. Sempre que tive de tomar decisões difíceis, como despedir, identificar erros e chamar a atenção, ou até pedir alterações na gestão diária da empresa, primeiro expliquei porque o fazia e só depois pedia o esforço. Já baixei salários por negligência que prejudicou a atividade da empresa, mas sendo justo e coerente, as pessoas ficam e não vão embora. Podem não gostar das decisões, mas percebem que há um fundo de moralidade e passado uns dias já esqueceram o episódio.
Os meus trabalhadores não são diferentes do resto da população. Porque é que então a classe política nos trata como se fôssemos todos sacanas, desconfiados e sempre à espreita de dar o próximo golpe? Porque não percebem a nossa cultura e os nossos costumes, perdem demasiado tempo a estudar coisas na Europa, tentando adotar políticas em território nacional que não servem as nossas gentes. É como vestir um casaco que não me serve. E como não serve, a população adapta-se, rasga uma manga daqui, puxa o colarinho dali, e quando se vai a ver, o casaco está todo (cor)rompido.
Ai Jesus que a população é corrupta e malfeitora, portanto toca de fazer leis que punam quem rompe o casaco porque a lei é para cumprir. Depois nem se cumpre a lei nem a população se sente confortável com este estado de coisas.
Tenho tentado aprender alguma coisa sobre a identidade cultural portuguesa e de como não servimos para encaixar nesta cultura europeia, tendencialmente protestante, muito organizadora mas pouco espiritual. Nunca tinha pensado sobre isto, mas desde que comecei a ler Agostinho da Silva, Fernando Pessoa, os discursos e memórias de Salazar e outros, reforcei a vontade de querer ir além da economia e entrar na sociologia, daí ter escrito há uns tempos que precisamos hoje de mais filósofos e menos economistas, porque o problema já extravasou o plano económico. Hoje precisamos de saber quem realmente somos para percebermos as diferenças entre o português e o alemão. Se forem muitas e vincadas, não poderemos continuar a trabalhar de forma tão unida nem a partilhar leis que servem na perfeição para uns e nada para outros.
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