10 de abril de 2012

ESPANHA E PORTUGAL - IRMÃOS IBÉRICOS (PARTE 2)

Até nós aqui no Contas, céticos às aldrabices políticas, acreditávamos que o programa LTRO, com todas as consequências indiretas negativas que acarreta, estivesse para durar mais algum tempo. Se contarmos desde o 2º leilão, realizado no final de Fevereiro, apenas 1 mês e pouco passou.

Os sinais que se começam a evidenciar nos juros das dívidas soberanas de Espanha e de Itália indiciam que os quase 900 mil milhões de euros emprestados pelo BCE se esfumaram num ápice. A 10 anos a dívida espanhola já roça os 6%.
Sem anúncios espetaculares e vistosos vindos do BCE ou da Alemanha que tudo está resolvido, a Primavera entra com temperaturas já de Verão.

Ficamos a aguardar pelas seguintes efemérides, recorrendo aos exemplos do ano passado:

- Regresso do BCE às compras de dívida no mercado soberano;
- Conselhos europeus e cimeiras europeias a cada 15 dias, de preferência ao fim de semana;
- Rumores e devaneios informativos sobre potenciais reforços dos fundos de resgate e demais milagres financeiros;
- Recuos da Alemanha e avanços do BCE.

Se a crise se agravar verdadeiramente, ou seja, se o fundo de resgate ESM se tornar insuficiente e o BCE for travado pelo Bundesbank para as necessidades de financiamento da Espanha, da Itália, da Bélgica, e quiçá da França, não acreditamos que a Alemanha tolere mais garantias à Europa e as portas de saída do euro para alguns países começam a ser mostradas.

Publicámos um post a 30 de Janeiro 2012 em que se contabilizam as garantias que a Alemanha já passou ao resto da Europa:

Tudo somado, os encargos e as garantias roçam os 900 mil milhões de euros, ou seja, 35% do PIB alemão.

Qual será o rácio que os obrigará a dizer BASTA? Não sabemos, mas já estivemos mais longe desse cenário.

Tiago Mestre

14 comentários:

Vivendi disse...

Não tardará muito e os alemães sairão de fininho do € ou tomam conta de tudo de uma vez.

O que se passará na cabeça das elites alemãs?

Tiago Mestre disse...

Vivendi, a tua pergunta vem mesmo a calhar porque o exercício mental de tentar perceber o que andam as elites a pensar é cada vez mais estimulante e permite-nos antecipar alguns eventos

O bundesbank, através do Weidmann, deve andar pior que estragado. Acreditaram no LTRO do Draghi apesar da não gostarem da ideologia subjacente, e agora vêem que afinal tanto dinheiro serviu apenas para acalmar os mercados 3 meses (Jan, Fev e Mar). Draghi fica na mó de cima porque o LTRO é um TARGET2 reforçado, ou seja, é o Bundesbank que fica com a responsabilidade de cobrar o dinheiro emprestado aos bancos centrais periféricos, e o BCE um mero "consultor" financeiro em todo o processo.

Quem tinha razão era Alex Weber e Juergen Stark, mas estes, por se oporem à impressão de dinheiro pelo BCE, foi-lhes apontada a porta dos fundos. Acredito que alguns políticos alemães já estejam arrependidos por terem embarcado nesta farsa da solidariedade europeia. Não quiseram aprender com a história, agora aguentem-se.

A Merkel deve estar num dilema porque tb apostou tudo no LTRO e num suposto crescimento, mesmo que ligeiro, do PIB de alguns países periféricos, como a Espanha e a Itália. Calha ganhar Hollande em vez de Sarkozy e aí a coisa complica-se ainda mais, mas confesso-te que não tenho acompanhado essa "guerra". Não acredito que a Alemanha queira "abocanhar" a Europa caso o caos se instale. Presumo que preferirá antes sair do euro de fininho como referes.

O fundo ESM, com os seus 500 mil milhões, é do conhecimento dos investidores que nem dá para a Espanha, quanto mais para a Itália em conjunto. Este facto tb atormenta as elites por saberem que os investidores sabem que afinal o canhão pouco mais tem do que pólvora seca.

Qual é a tua versão dos factos?

Vivendi disse...

Eu procuro sempre ter uma visão global e percepciono estes como os principais fatores em curso:

1. o governo português entrou em descontrole e já não dá para o levar a sério.

2. a irracionalidade económica do Ltro está à vista que não convenceu ninguém, o novo ponto crítico europeu serão após os resultados das eleições francesas.

3. a Alemanha ou sai do € por racionalidade económica ou fica por estratégia na tentativa de consolidação do seu poderio.(e será sempre uma tentativa falhada)

4. os países do med só conseguem voltar a crescer rapidamente em políticas protecionistas.

5. a nova dinâmica no resto do mundo em curso (o emigrante do Dubai ontem no programa do Medina Carreira foi bastante esclarecedor).

6. o petróleo vai funcionar como desculpa para fazer cair o Irão e terminar o processo da primavera árabe

7. os Eua e o Uk continuam a fazer de tudo para destruir o € para encobrir os seus próprios males.

8. os BRICS estão a trilhar o seu caminho longe da Europa e EUA (criação de um banco próprio com a circulação das próprias moedas).

9. o estado social ocidental corre o risco de desaparecer vertiginosamente no jogo da globalização.

10. a nova ordem mundial está por aí à espreita para impor uma moeda mundial.


Está bonito o cenário não é Tiago?

Filipe Silva disse...

Boa noite

O Vivendi tem toda a razão, vi o George Soros na bloomberg a defender a criação de uma moeda mundial.
O governo Português está descontrolado, ao tentar colocar-me nos seu "sapatos", acabo por compreender o desnorte, a situação deve estar a deteriorar muito mais depressa e numa magnitude que não antecipavam, a tentativa de economia planificada tem destas coisas, e com a constituição que temos e os partidos que temos não podemos esperar que façam o que realmente deve ser feito.

Penso que existe de facto uma guerra cambial, e o ataque ao € é feito pelos USA e UK, dado que ao criarem uma crise na Europa, desviam as atenções dos seus problemas, basta ver que os USA tem problemas nos seus Fundamentals muito piores que a Europa.
Segundo Peter Shift e outros o colapso do dólar está próximo, este acontecimento levará a uma depressão nunca antes vista, 1929 vai parecer bons tempos comparando.

Parte do preço do petróleo é explicado pela emissão de moeda.

Os BRICS estão dependentes do sistema, basta ver que a china será dos países que mais sofrerá com a implosão do dólar, dado que perde o seu maior cliente, e irá esfumar-se o dinheiro emprestado aos USA.

A guerra da independência americana foi travada devia À divida, a 2GM foi travada devido às compensações de guerra (dividas que a Alemanha tinha de pagar) maior parte das guerras foram travadas por esta causa, não augura nada de bom

PS- aprecio o Blog do Vivendi, parabéns, espero que o Tiago não leve a mal o elogia ao Vivendi aqui no seu blog

Vivendi disse...

Bem-vindo ao debate Filipe Silva.

Agradeço o seu elogio. Procuro sinceramente transmitir de forma mais acessível possível a realidade económica, mas é importante estar aqui também no Conta Caseiras onde as análises económicas do Tiago são profundas e de uma primacia ímpar. Do melhor que se encontra por aí e eu pesquiso muito.

Relativamente à sua análise estou em acordo, a nossa linha de pensamento não difere.

A economia muda do dia para a noite e temos muitas dinâmicas em curso. Mas quando a Grécia que é uma pequena economia pode provocar um crash mundial vemos o quanto o dinheiro se tornou virtual e como os tempos são perigosos.


Cumprimentos.

Tiago Mestre disse...

Meus caros, à parte tanto elogio, que é sempre muito agradável e estimulante, fico sempre confuso em tentar raciocinar com o que pode vir a acontecer ao nosso mundo. Parece-me ser uma equação com muitas variáveis e todas correlacionadas, daí a minha dificuldade em fazer prospectiva, contudo é super estimulante e aguça a curiosidade ainda mais.

Mas sei isto:
A história diz-nos que a classe política opta sempre por imprimir em vez de corrigir problemas internos. Em 2012 e 2013 não será diferente. Com a impressão de dinheiro aparece, mais cedo ou mais tarde, a inflação e a total usurpação do poder de compra.

A inflação sobre prá gente porque somos inevitavelmente consumidores. Desde que cheguei a esta conclusão, iniciei uma estratégia de me tornar produtor de qq coisa, e percebi que a agricultura era algo de produção imediata, consumo imediato e de relativo baixo custo, desde que tivesse terrenos. E assim foi:
Sem abdicar da minha atividade profissional, que me garante o sustento (vamos ver até quando), investi com a minha família na reabilitação dos terrenos que tínhamos praticamente ao abandono.
Hoje posso-me considerar um agricultor (ao fim de semana) que com a ajuda da minha mãe e do "caseiro" produzimos (não se espantem com a lista):
Batatas, couves, courgettes, cenouras, feijão, morangos, favas, aveia, tomates, uvas, pêssegos, laranjas, cerejas, milho, azeitonas, 2 porcos, 2 borregos, 2 cabras, dezenas de galinhas.
Instalei rega automática no terreno principal para regar à noite, recorrendo à gota-a-gota em alguns casos e por aspersor noutros. Nos terrenos sem água optei por culturas de sequeiro (aveia e milho). É um admirável mundo novo. Para já é só investimento, apesar de que já estamos a consumir em grande quantidade e a começar a recuperar qq coisa do investimento realizado.
No dia em que a inflação chegar em força espero estar preparado e não me penitenciar com o que poderia ter feito e não fiz. Caso ela não chegue por um qualquer milagres que desconheço, também não me vou penitenciar porque nunca é demais valorizar o que temos e aprender novos ofícios.

Vivendi disse...

Tiago, trilhaste um belo caminho, o de auto-sustento. Já agora em que região?

Eu tenho acompanhado também a vida do campo através do empreendimento do meu sogro. Não é uma vida fácil pois sempre existe uma série de imprevistos e em que a atenção é permanente tanto na terra como nos animais.

Quero partilhar aqui no fórum um post dos mais interessantes de Pedro Arroja que vai ao encontro da tua ideia Tiago:

http://portugalcontemporaneo.blogspot.com/2011/12/rectaguarda.html

Tiago Mestre disse...

Vivendi, nunca tinha lido esse post do Portugal Contemporâneo. Ele transmite EXACTAMENTE aquilo que eu penso. Não o teria escrito melhor. Obrigado pela partilha.

As terras da minha família paterna são perto da Marinha Grande, apesar de eu viver em Lisboa e trabalhar sobretudo em Lisboa mas tb no Porto.

Tivemos que investir num furo de água para não depender da água da rede e do poço, que é insuficiente para as necessidades. Só me falta montar painéis fotovoltaicos e baterias para cortar com a EDP. A minha formação é em Eng. Electrotécnica e portanto ando atento a estes fenómenos de independência energética. Contudo a brincadeira ultrapassa os 6-7 mil euros. Terá que esperar.

Os cuidados que referes a ter com a agricultura são uma verdade. Tanto a minha mãe como o nosso "caseiro" deslocam-se diariamente à exploração. É preciso estar sempre a controlar a situação e cada dia é diferente do anterior. Estranha-se mas depois entranha-se

O intuito é fugir à inflação e garantir subsistência.
A haver excedente, será para vender localmente (e oferecer qq coisa, à boa maneira rural)

Vivendi disse...

Nem mais...

Tenho familiares de lx tb a gozar a reforma por aí e com uma pequena horta de apoio.

Eu para já ando na aventura tropical, por terras brasileiras. Percebi a tempo que vinha uma política de terra queimada e destruição de valor.

Espero um dia quando voltar encontrar oportunidade também na economia tradicional. O post de PA é o projeto mais interessante que vi à direita para uma nova engenharia social.

Como já escrevi ontem Portugal sem protecionismo não funciona. Ainda tem muitos crentes nas exportações...

Já agora o que pensas do protecionismo?

A minha formação é na área do marketing e publicidade.

Sou natural do Porto e também com raízes familiares em Trás-os-Montes.


Abraço.

Tiago Mestre disse...

O protecionismo é dos assuntos mais complexos de discutir pelos seus meandros e consequências indiretas.

Contudo, é um dos assuntos que terá que estar em cima da mesa, mais cedo ou mais tarde. Custa-me dizer isto porque sou um libertário e preferiria que a liberdade comandasse as trocas comerciais entre países.

No estado de coisas tão manipulado que é hoje a UE, as trocas comerciais são "livres" mas apenas na aparência. Os esquemas de subsídios, apoios, manipulação das quotas de produção e concessão de crédito para manter economias baseadas em consumo, transformam totalmente a formação do preço final, e com isso temos desequilíbrios na balança comercial de cada país que se agravaram ao longo de anos.

Portugal é hoje, para mim, um caso paradigmático de insuficiência no seu auto-sustento. Importa-se mais de 70% da agricultura que se consome e a produção nacional, sobretudo a do muito pequeno latifundiário está votada ao abandono. Os custos e os riscos de produção agrícola não estão a compensar, de todo, o pequeno produtor. Os pomares e as vinhas (frutos) levaram tanta porrada que é talvez o setor mais afetado.

"Exigia-se" aos produtores que fossem criativos e se modernizassem, ou seja, que vendessem sumos de fruta em vez de fruta, produzissem compotas e outros derivados dos frutos, procurarem novos mercados, etc.
Mas apenas algumas cooperativas e empresas o fizeram. A esmagadora maioria dos agricultores não possui essa capacidade, o que é perfeitamente natural, e continuaram a focar-se na produção pura e dura, que já de si é de uma complexidade e incerteza brutais, daí eu achar que mais não se podia exigir.

Houve um deslumbramento com a Europa pelos portugueses parolos, leia-se classe política, e a troco de esquemas de financiamento duvidosos, muito do tecido primário que foi e SERÁ a base do nosso tecido social, como refere o artigo do PA, esboroou-se.

Para haver protecionismo tem que ser muito bem pensado, testado e andar permanentemente à procura das consequências indiretas não previstas.

Uma das consequências indiretas seria o aumento brutal da inflação, na medida em que haveria agora mais consumidores a competir por muito menos produtos. Seriam os produtores os beneficiados e com isso estimulavam-se novos produtores, mas a dor da inflação, sobretudo nos meios urbanos, e o empobrecimento daqueles que apenas são consumidores seria penoso. Teria que ser acompanhado com comunicações constantes da classe política a "pedir" aos portugueses que se focassem em meios de produção próprios e moderassem as suas compras de produtos primários.

A discussão deste assunto é mesmo complexa, mas tb é verdade que em países "liberais" e pró mercado existem regras protecionistas que promovem a produção nacional através da taxação de produtos que vêem do exterior.

Lê este post do testosteronepit acerca das taxas de importação no Japão. Acho que vais gostar.
http://www.testosteronepit.com/home/2012/4/6/the-real-reason-for-deflation-in-japan.html

Vivendi disse...

Interessante a realidade do Japão (hoje vou colocar no blog um quadro do Japão). Fez-me lembrar o caso do Brasil.

Aliás fiz este post na realidade que encontrei por aqui.

http://vivendi-pt.blogspot.com/2012/01/o-caso-brasil.html

Aqui nunca encontrei uma garrafa de vinho português a menos de 20 reais. Azeite português ainda encontras a partir dos 10 reais.

Eles por aqui manipulam o mercado a bel-prazer para travar os consumos importados, desde o automóvel à azeitona. Mas a balança comercial anda sempre em dia e ainda mais se dão ao luxo de ter demagógicos discursos sobre as trocas globais ;)

E sabes o que é mais caricato aqui Tiago? No geral a produtividade é baixíssima comparada com os padrões europeus, muitas pessoas nem se preocupam mais em trabalhar pois tornaram-se em subsidio-dependentes do estado (bolsa família= RSI), só que este dinheiro que se distribuí é dinheiro que pouco se perde para o exterior. Já os milionários e alguma classe alta vão às comprinhas ao exterior e compram desde imóveis a tudo resto que lhes apetece.

E eu quando olho para o papel da Europa, penso que coitada, só faz papelão triste, vemos a Alemanha a atar à pressa os presentes toda contente mas descurando o futuro, no caso português é um papel de otário da festa da globalização, dá barato e recebe caro. Já quando olho para os EUA parece que lhe vai estar reservado o papel de bobo da festa, pensa que anda a enganar meio mundo mas quem ainda vai acabar comido são eles mesmos.

Vivendi disse...

E quero que atentes no caso da bolsa família do brasil ao rsi português, o dinheiro que no caso Brasil fica retido no seu próprio mercado interno e o quanto se perde em Portugal para o mercado externo.

Tiago Mestre disse...

Quando te falei do exemplo japonês nem me lembrei do caso brasileiro. Mas foi esquecimento meu porque tenho acompanhado alguma coisa sobre o Brasil e já me tinha constado que também impõem grandes restrições. Afinal já temos um caso lusófono bem concreto que utiliza barreiras alfandegárias para gerir os equilíbrios do seu comércio.

Cada vez mais chego à conclusão de que as barreiras alfandegárias são um INSTRUMENTO que, bem gerido pelos políticos, serve os interesses da economia e dos cidadãos.

Contudo, Portugal está tão longe deste cenário e tão depauperado, que, uma transição para um cenário traria tensões sociais brutais. Mas quanto mais tarde o fizermos, mais difícil será o ajuste.

O Norte de Portugal com o seu tecido social muito unido conseguiria efetuar a transição com maior naturalidade.
Já o Sul, muito dependente do Estado e da lógica dos subsídios teria a maior das dificuldades.

Mas quanto mais tarde, pior.

Vivendi disse...

Eu hoje escrevi isto:

Os caminhos que se atravessam à sociedade portuguesa:

Querem estado social? Só com protecionismo.

Não querem estado social? Fim dos impostos.

Portugal, parece não saber o que quer, e quem tudo quer, nada tem.


Agora o mesmo pode ser estendido à Europa. A Europa tem que optar. Senão acaba tudo amarrado na decadência.