24 de outubro de 2012

Ouro como colateral para emitir dívida

Caros leitores e leitoras, quando os rácios de endividamento de Portugal já se encontram em níveis do TOP3 mundial, e que só com mais dívida é que nos vamos mantendo à tona de água, há sempre alguém que encontra mais qualquer coisa que sirva de colateral para... obter ainda mais dívida:


O título sugestivo desta notícia do Económico dá a entender que se o Governo usar ouro como colateral, mais financiamento poderá ser obtido, e mais confiança se gerará nos credores para com Portugal, baixando as taxas de juro de referência.

Esta premissa até pode ser verdade, mas gostaríamos de relembrar que Portugal, desde Dezembro de 2011, encontrou condições ímpares de financiamento junto do BCE e da CE.
Independentemente de todos estes mecanismos violarem o artigo 123º e 124º do Tratado de Lisboa (quem é que já liga a essa folha de papel?) de forma DIRETA, e não de forma INDIRETA como o Filipe sugeriu num comentário anterior, a verdade é que no espaço de menos de um a no, saiu da cartola o LTRO 1 e 2, o ESM reforçado e aprovado pelo Bundestag, a manutenção do EFSF e mais recentemente, o programa OMT, verdadeiro harakiri das políticas neo-keynesianas da UE.

Com esta brincadeira toda, o BCE e a CE comprometem-se a disponibilizar 2 a 3 triliões de euros para "ajudar" os países.
Será que Portugal precisa de ainda mais "artilharia" para conseguir baixar mais as OT's a 10 anos?

Há uns anos, usar ouro como colateral para empréstimos num mundo FIAT a todo o vapor seria talvez motivo de risota. O sistema apodreceu, a confiança deteriorou-se, e o velhinho ouro, que é pesado, frio, não rende juros e não serve para usar nem nas lojas nem nas ruas, afinal já possui valor intrínseco e já serve. E não deixa de ser irónico que a sugestão de usar ouro como colateral nos dias que correm deve-se à imensa valorização que sofreu desde 2001-2002. E porque é que se valorizou? Porque muitos começaram a perceber que a raiz do sistema FIAT estava a apodrecer por todos os lados, e decidiram preparar-se mais cedo para a catástrofe. Mais gente a comprar do que a vender, e upa upa.

A notícia é interessante porque é mais um sintoma de como o sistema vigente "treme que nem varas verdes"

Se eu concordo com o uso de colateral para nos financiarmos? NÃO
Porquê?

1. Dificilmente faria baixar as taxas de juro, tais são os estímulos que já temos em cima da mesa. Se o BCE diz que compra a dívida TODA recorrendo ao programa OMT, para quê carregar mais no acelerador? Só se for para nos despenharmos ainda mais depressa.

2. O ouro, na minha opinião, é de Portugal e dos portugueses. Foi Salazar que o foi comprando ao longo de décadas, tendo sido vendidos aproximadamente 2/3 logo a seguir ao 25 de Abril. O terço que ainda sobra começa agora a ser cortejado. O melhor que se faria dele era usá-lo como reserva para uma nova moeda caso saíssemos do Euro. Até lá, é um ativo do BdP, e de certa forma uma reserva em última instância do Euro, já que estamos impedidos de mexer nele... até ao dia em Bruxelas decida o contrário, claro.
Se se gastar já o ouro em colateral em empréstimos, não haverá chance de o usar como colateral para a emissão de moeda, a não ser que o governo português contrate os serviços da JP Morgan e dê início a processos fraudulentos de rehipotecação do seu ouro. Já estou a imaginar os produtos financeiros que farão o governo português enriquecer empobrecer:
 PTGold Bonds
 PTGold ETF
 PTGold CDS
 PTGold e PTGold Futures na Comex

3. Tornar o ouro como colateral para empréstimos é tão só querer perpetuar esta nossa vontade gulosa de gostarmos muito de viver com dinheiro que não é gerado internamente.
NÃO SE PODEM PAGAR SALÁRIOS, PENSÕES E DESPESAS CORRENTES COM DÍVIDA.
Esta frase deveria estar gravada nas fachadas da entrada de cada Ministério.

4. Por último, mas não menos importante, tanto quanto julgo saber, o valor do ouro no BdP rondará os 14 a 15 mil milhões de euros. Este valor corresponde a 2 anos de défice público, ou seja, o Estado a cada 2 anos gera nova dívida desta ordem de grandeza. Portanto, num ápice colocaríamos todo o ouro como colateral, que depois teria que continuar a ser usado como colateral em nova dívida quando a dívida anterior vencesse. Moral da história, desleixávamo-nos no esforço de contenção orçamental e o ouro ficaria totalmente encravado nas dívidas.
Tb já estou a imaginar os argumentos do PCP quando tal fenómeno ocorresse:
" Ouro português entregue ao desbarato a credores usurários"
" Soberania por água abaixo com entrega de ouro aos ricos e poderosos"
" É um esbulho o que se está a fazer aos portugueses"

Enfim, a proposta pode ter boas intenções por trás, mas aprendi há uns anos que o caminho para o inferno está pavimentado de boas intenções.

Tiago Mestre

6 comentários:

Filipe Silva disse...

Oh Shit, they are going to sell our gold...

Já há uns anos o Cadilhe, dizia que se devia vender o ouro para despedir funcionários públicos. Para quem acredita no Fiat system o Ouro não é mais que uma reliquia de um passada distante.

A realidade é que é das poucas coisas que temos a nosso favor, o ouro.

Se o mundo se deslocar para um padrão ouro, já teve mais longe, seremos um dos países em melhor situação, temos muito mais ouro, que por exemplo, a Inglaterra.

O ouro tem valor, dado que em todas as sociedades chegou a moeda mercadoria, hoje já é usado como moeda em países muçulmanos como a Indonésia, o dinar ai existe muita gente que é contra o sistema papel.

Gold is making a comeback, as pessoas ainda acreditam no papel, mas mal comece a existir um aumento significativo dos preços e a crença do papel ira começar a desaparecer.

OS neoclássicos não vÊm valor no ouro, logo é natural que para eles livrarem se dele não constitui problema.

O ouro só devia ser utilizado com recurso a referendo, dado que supostamente é de todos,

vazelios disse...

Já tinha ouvido esta noticia na radio e não quis acreditar.

Já começa a pressão dos mesmos de sempre com a aclamada comunicação social a ajudar.

Esta noticia revoltou-me.

Se querem privatizar todas as empresas Portuguesas, enfim, muitas delas concordo porque o estado não as devia gerir, outras importantissimas para a população como a Águas de Portugal, já me causa mais comichão, mas sempre prefiro ter cá concorrência do que ter de pagar impostos para tapar buracos de empresas públicas.

Mas dar o nosso bem mais precioso como colateral para uma divida impagavel?

E esse ouro (obrigado Tiago, não sabia os montantes), 15mil milhões, é uns 6-7% da divida do estado. Só pode ser brincadeira.

Concordo com todos os pontos negativos que disseste, mas este facto devia tornar a noticia ou ideia ridicula:

Tanta medida do BCE com triliões não acalmarem os mercados, vão agora 15mil milhões em ouro acalma-los? A sério? Alguém acredita?

O Vítor Constãncio devia estar preso pelo que fez.

E esta ideia não pode ir em frente de maneira nenhuma

vazelios disse...

Filipe eu também pensei em referendo, mas se a comunicação social comunicar o referendo e influenciar a população já de si completamente farta desta crise, que resultado teremos?

Não me admirava nada.

Mas se chegarmos a essa altura também não sei como o impedir

Vivendi disse...

+ de 40 anos de acumulação para pagar 6 anos de desvario.

No way.

E é uma pena que os portugueses também o estejam a vender.

Vivendi disse...

Um simples exercício para ver a estupidez reinante.

Se Portugal criasse um banco de investimento usando as regras atuais do sistema bancário as reservas de ouro permitiriam obter recursos de € 160 mil milhões.

Portugal poderia comprar a quase totalidade da dívida pública e com uma taxa de juro à escolha.

Manuel Galvão disse...

Quando já não houver imóveis do estado e empresas públicas para vender ao desbarato, que se venda o ouro das reservas !

É o que vejo nessa notícia...