Após a inibição de Estados soberanos como Portugal e a Grécia em se financiarem no mercado de capitais, entramos numa nova fase que aponta o alvo para os bancos que emprestaram dinheiro a estes Estados. Como a rede interbancária é global, os bancos dos países que faliram não serão os únicos visados, mas os bancos que emprestaram a esses bancos e que adquiriram dívida directamente aos Estados estão também na corda bamba.
Contudo, é legítimo perguntar porque razão os bancos internacionais sofrem tanto com o incumprimento de uma parte das dívidas de um só Estado de pequena dimensão? É que supostamente estes bancos possuem carteiras de activos de uma dimensão gigante, e não deveria ser o incumprimento de uma pequena parte da sua carteira de activos a promover uma derrocada geral.
Pois, mas infelizmente os bancos de grande dimensão possuem um pequeno/grande problema: são descapitalizados por natureza, e este post tenta explicar isso mesmo:
A carteira de activos de um grande banco inclui normalmente empréstimos a Estados (obrigações do Tesouro), investimentos em bolsa, empréstimos à habitação, crédito ao consumo, crédito às empresas e crédito a outros bancos. Para conseguirem financiar toda esta carteira de activos, só há duas grandes formas de obterem os fundos para tal:
1. Injecção de capital pelos accionistas;
2. Pedindo dinheiro emprestado a outros bancos e a instituições credoras (fundos de investimento, fundos de pensões, etc).
A primeira opção foi desde sempre a mais utilizada, contudo possui a limitação de os recursos financeiros ficarem sempre limitados à vontade dos accionistas. Mesmo que esteja à vista um óptimo negócio, se os accionistas não quiserem entrar com o dinheiro, perde-se o negócio.
A segunda opção só se massificou mais recentemente, talvez desde finais dos anos 90. O recurso ao crédito para financiar investimentos tornou-se a grande força de “alavancagem” que os bancos tiveram ao seu dispor. Isto foi possível com a queda das taxas de juro nos empréstimos que os bancos centrais dos países artificalmente concederam aos bancos. Sendo a taxa de juro um indicador do risco entre quem empresta e pede emprestado, a sua queda para valores próximo de zero significou que as barreiras ao crédito foram reduzidas a quase nada, e portanto os bancos podiam fazer muito bem o que entendessem com esse dinheiro “fácil”. E realmente fizeram o que bem entenderam: emprestaram dinheiro a quem não tinha condições de liquidar as dívidas nos prazos acordados. Como exemplos: o crédito subprime nos EUA e mais recentemente as obrigações do Tesouro de vários Estados, incluindo Portugal. Emprestou-se dinheiro de forma muito generosa sem se acautelar a liquidação desse mesmo empréstimo.
Esta "alavancagem" trouxe outro presente envenenado que se descurou durante anos, saber:
Os accionistas começaram a preferir em demasia pela segunda opção, em vez da primeira, e isso significou que os bancos ganharam dimensões enormes, mas à custa de pedir emprestado. Os capitais próprios tornaram-se uma mera fracção dos capitais emprestados. Aparentemente esta situação não apresenta problemas. Desde que os investimentos efectuados com esse dinheiro emprestado ofereçam lucro, ou seja, a diferença seja positiva entre o juro do crédito concedido e o juro do crédito que se contraiu para financiar esse empréstimo, tudo bem. Os accionistas ficam contentes porque receberão dividendos tendo investido pouco dinheiro e os directores receberão bónus chorudos porque a companhia apresentou uma performance muito positiva.
O problema ocorre quando esses investimentos começam a perder rentabilidade e/ou credibilidade junto dos mercados de capitais. Um caso evidente e bastante recente foi a emissão das obrigações de países que agravaram a sua credibilidade na emissão de dívida. Portugal, por exemplo, há 6 anos atrás, quando emitia dívida de 500 milhões de euros com 3 anos de maturidade, o valor facial dessas obrigações mantinha-se inalterado ao longo dos 3anos no mercado secundário, ou seja, os 500 milhões, e a taxa de juro não oscilava, fixando-se pelos 3% aproximadamente. Mais recentemente, quando Portugal emitia o mesmo montante, 500 milhões, com a mesma maturidade, 3 anos, e essas obrigações iam parar ao mercado secundário, este, desconfiado, começou a forçar cada vez mais a venda das obrigações a novos compradores, só que estes, desconfiados também, exigiam cada vez maiores taxas de juro para as comprarem. A taxa de juro serve sempre como um indicador de risco. Actualmente, o valor facial das obrigações portuguesas que circulam no mercado secundário é muito inferior aquando da sua emissão pelo Estado português, e as taxas de juros subiram para mais de quádruplo: de 3% passou para 12% ou mais.
Todos os bancos nacionais e internacionais que compraram estas obrigações no passado e não as venderam antes de se desvalorizarem ficaram com uma carteira de activos mais pobre, e para agravar a situação, caso se tenham endividado para as comprar, a tal “alavancagem”, poderão correr riscos de estarem a perder dinheiro com o negócio. Como cereja em cima do bolo, as leis europeias permitem que os bancos apresentem na sua carteira de activos o valor facial destas obrigações aquando da sua compra, mesmo que entretanto se tenham desvalorizado no mercado secundário. Isto significa que os bancos, basicamente, andam a mentir acerca dos activos que possuem no seu portefólio, reportando títulos de obrigações que há 6 anos valiam 500 milhões de euros e que agora só valem 450, mas continuam a aparecer com valor de 500.
E porquê esta dificuldade em reportar o valor real?
Em primeiro lugar significa que os bancos estão a perder valor neste investimento, em segundo o mercado de capitais e as agências de rating estão atentos a perdas, e terceiro a oficialização da queda do preço destes títulos agrava os rácios de solvência do banco, sobretudo quando este está excessivamente “alavancado”, a saber:
Imagine-se dois bancos, cada um com 100 mil euros em activos. O banco 1 financiou-se junto dos accionistas em 100% para conseguir investir os tais 100 mil euros em activos. O banco 2 financiou-se em 1% junto dos accionistas, mil euros, e os restantes 99% pediu emprestado ao exterior.
Se os activos dos 2 bancos tiverem um retorno líquido de 1% cada ao ano, significa que no banco 1 cada accionista recebe apenas 1% de dividendos, enquanto que no banco 2 cada accionista recebe 100% de dividendos. Foi por esta razão que os bancos cresceram muito por via da “alavancagem” no crédito.
Mas quando o mercado começa a declinar e a carteira de activos perde 1%, no banco 1 o accionista perde apenas 1%, mas no banco 2 o accionista perde 100%. Nesta situação, o banco 2 que tanto prosperara no passado recente, torna-se insolvente da noite para o dia. Os bancos mundiais infelizmente estão muito mais na condição do banco 2 do que do banco 1.
A título de exemplo, o gigante mundial Deutsche Bank possui um rácio de capitais próprios versus os seus activos de 1,9%, que é pouco mais do que 1%. A maior parte dos bancos de dimensão nacional andam actualmente pelos 7% a 8%, apesar de que ainda há pouco tempo roçavam os 5% e 6%, mas foram obrigados a capitalizar-se por imposições europeias e pelos acordos de Basileia.
É por estas razões e por outras que os políticos querem tanto proteger e capitalizar os bancos. Têm a noção da pobre capitalização dos mesmos e do efeito sistémico que se gera quando um destes bancos apresenta insolvência. Daqui decorre também a explicação pela qual há tanta vontade na Europa em resgatar os países que viram as suas dívidas soberanas colapsar no mercado secundário, como Portugal. As consequências de deixar um país entrar em incumprimento significaria que os bancos que detêm dívida desse país seriam automaticamente obrigados a reportar essa perda na sua carteira de activos, criando o tal efeito dominó de insolvências atrás de insolvências no sistema bancário.
Com todas as apreensões em torno do sistema bancário europeu desde Julho de 2011, os empréstimos a bancos europeus e entre bancos europeus tornaram-se mais escassos e com taxas de juro mais elevadas, como se confirma na taxa LIBOR para a Europa durante o mês de Agosto e já também em Setembro. Os bancos viram-se assim obrigados a pedir emprestado ao Banco Central Europeu como mecanismo de último recurso, com efeitos altamente negativos na sua credibilidade. É que a partir do momento que se sabe que banco x recorreu ao BCE, significa que está em apuros para obter financiamento no mercado interbancário normal.
Nas bolsas de valores onde estes grandes bancos estão cotados, os investidores já estão a antecipar eventuais insolvências ou resgates de grandes bancos europeus, livrando-se a qualquer preço das suas acções nas bolsas. Os títulos das acções têm caído sistematicamente, havendo ocasionalmente quedas diárias superiores a 7% e 8%. Muitos bancos estão a atingir cotações historicamente baixas.
E para terminar, as últimas notícias indicam que a Alemanha já se prepara para ajudar os bancos alemães que mais sofrerão com um incumprimento da Grécia, país que tem sido o balão de ensaio das políticas de resgate da União Europeia, mas que tão maus resultados tem demonstrado.
Tiago Mestre
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