5 de março de 2012

Todos ouvimos dizer que desvalorizar moeda significa mais exportações e mais economia... humm! Será?

Caros leitores e leitoras, é sabedoria convencional na nossa praça de que países economicamente mais fracos devem coabitar com moedas mais fracas. E a razão para tal fenómeno é que uma moeda mais fraca significa maior incentivo às exportações e maior estímulo ao turismo estrangeiro, assim o dizem!

Já é tempo de desmistificar este conceito:

1. Quando a moeda desvaloriza conseguimos vender mais barato, mas também temos que comprar mais caro.
2. A maioria dos nossos exportadores necessita de comprar matéria prima e energia ao estrangeiro, à exceção de quando a matéria prima é proveniente do setor primário endógeno (agricultura, pescas e minério).
3. Os restantes exportadores necessitam de comprar matéria prima e energia ao exterior, logo a vantagem de vender mais barato é neutralizada pelas importações mais caras.
4. Desvalorizar moeda significa inflação e pouca segurança para quem quer investir. A médio prazo haverá menos investidores.
5. A desvalorização da moeda estimula os industriais a tentar vender mais para fora e menos para dentro, prejudicando os consumidores nacionais na medida em que terão que competir por menos produtos e logo mais caros - mais dinheiro do que bens à disposição da economia - inflação.
6. Outra consequência da manipulação monetária prende-se com a fuga de capitais para o estrangeiro. Quando os políticos imprimem dinheiro e manipulam moeda influenciam negativamente a espetativa dos investidores, obrigando-os a fugir do país.

No gráfico abaixo mostramos um gráfico que reflete a falácia destas supostas vantagens na desvalorização monetária:

As moedas que assumem trajetórias descendentes perderam poder de compra para com o exterior, ou seja, compram cada vez menos ao exterior para o mesmo valor de exportação. Moedas como o dólar americano, o euro, o iene japonês e o yuan chinês fazem parte deste clube, e todos sabemos o que têm feito os bancos centrais destes governos: desvalorizar para (supostamente) ganhar competitividade.

Curiosamente temos um exemplo extraordinário de um país que manteve uma moeda forte e consolidada durante décadas e conseguiu suportar taxas de crescimento do PIB acima de 6% ao ano e crescer muito em exportações: PORTUGAL na década de 50 e 60.

É verdade, Portugal era considerado um caso de disciplina financeira, orçamental e monetária, que muito agradava a investidores estrangeiros. Os finais da década de 60 e inícios de 70 foram anos de grande injeção de capitais estrangeiros em Portugal, tanto no setor industrial como imobiliário. A reserva de ouro, acumulada no Banco de Portugal ao longo de décadas e que suportava as notas em circulação, tornava o escudo uma moeda verdadeiramente à prova de bala e muito apetecível a quem queria investir no país.

Sempre que ouvirem economistas a insistir na desvalorização da moeda para se ganhar nas exportações pensem duas vezes antes de concordar com a ideia!

Tiago Mestre

6 comentários:

Vivendi disse...

Aplausos Tiago. É dos poucos economistas esclarecidos na praça. Será que os outros tem medo de revisitar Salazar e aprender umas verdades?

No meu blog o máximo que eu defendo é isto:
http://vivendi-pt.blogspot.com/2012/02/reflexao.html

Por fim uma brincadeira.

Que economista o Tiago escolheria para atribuir um honoris causa?

Abraço.

Tiago Mestre disse...

Olá Vivendi,
economista português:
Medina Carreira

Economistas estrangeiros: Ui, tantos
Thomas Sowell - génio
Walter Williams - génio
Peter Schiff - dispensa apresentações
Jim Rogers - dispensa apresentações
Todos libertarians !!

Thomas Sargent - laureado este ano com o Nobel da economia
Se tiveres oportunidade vê esta palestra que me "agarrou" a este senhor bem antes de ter sido laureado. A dicção é difícil mas percebe-se. A humildade dele em reconhecer que não tem respostas válidas para os problemas que hoje os bancos centrais têm é uma delícia.
http://www.youtube.com/watch?v=ofhaWMF1r6Q

Abraço e obrigado mais uma vez pela tua consideração. Contribuis diariamente com o teu blog para que estes conhecimentos pouco ortodoxos proliferem na sociedade blogosferiana. Um bem haja para ti!
Tiago Mestre

Vivendi disse...

A minha escolha vai para Peter Schiff, pelo sua comunicação fácil às pessoas, ter previsto todas as bolhas e pela sua vida prática não se ficando apenas na teoria.

Acreditas que Salazar era (pelo menos na parte económica) um defensor das teorias libertárias?

Tiago Mestre disse...

Salazar era um sociólogo do seu tempo. Ele acreditava (e bem) que o povo português era tendencialmente preguiçoso, amigo da taberna e conspirador. A cidade era o pólo por excelência desta criação de hábitos. Face a esta evidência cultural, Salazar sempre considerou que os portugueses estariam "condenados" a produzir e a poupar como forma de combater a preguiça e os gastos supérfluos. Os bairros sociais do seu tempo possuíam quintal atrás ou jardim à frente para que a família produzisse as suas batatas, as suas couves e o homem se distanciasse da taberna.

Ele era libertário sem o saber. Não era convicção, foi antes a necessidade de escolher um modelo de desenvolvimento que tinha em linha de conta a radiografia cultural que ele realizou ao povo português. Ele era "rato" demais para se encavalitar numa só ideologia económica. A genialidade dele vinha desse pragmatismo provinciano de adequar a receita em função do diagnóstico de cada paciente. Ver, ouvir, e só depois se pronunciar. Quem vive da agricultura sabe que a todo o momento há constantes alterações nas variáveis que influenciam a sua cultura. Na cidade e na indústria toda essa imprevisibilidade é reduzida ao mínimo, incapacitando o ser humano de compreender as variáveis da natureza e de aplicar uma receita que resulte. O plano económico e financeiro de Salazar foi um sucesso, mas o plano social foi demasiado ambicioso e redundou em tremendo falhanço. Este nunca percebeu que a cultura portuguesa é demasiado profunda, conservadora e libertária para se lhe tentar aplicar ventos de mudança gizados no gabinete.

Se Salazar tivesse governado na Suécia provavelmente seria um socialista fervoroso.

Concordas?

Abraço
Tiago Mestre

Vivendi disse...

Não vejo muito por onde contestar... Eu e o Tiago somos jovens e não temos a experiência vivida desse tempo. Em Portugal existe ainda demasiado medo em abordar sequer o seu nome.


Abraço.

Anónimo disse...

5 estrelas. Ideias muito bem estruturadas e exactas. Tenho curiosidade noutro aspecto. Qual pensas que seria entao a solução, ao invés de uma facil desvalorizaçao da moeda para incrementar as exportações?