5 de outubro de 2012

Como foi possível empilhar 500 mil milhões ou mais de euros de dívida em 15 anos?

Eis um exercício de estilo:

Estado gera défices sem respetivo crescimento económico, ou seja, empilha dívida. Começou a acontecer a partir de meados da década de 90.

O Estado pede emprestado ao exterior para pagar salários ao João e à Rita, que são ambos professores.

João e Rita têm sonhos. Querem comprar uma casa, mas não têm dinheiro. O banco financia o empréstimo de 200 mil euros a 40 anos.

A casa dos seus sonhos já está projetada mas ainda não está construída. É um apartamento numa zona periférica ao centro urbano com muita qualidade de vida, espaços verdes, boas acessibilidades, etc.

O empreiteiro que a construiu também não tinha dinheiro, mas tinha a confiança de que todas as casas se venderiam. Vendeu a ideia a ideia ao banco, e este vendeu-lhe o dinheiro. Mais um empréstimo a 5 anos com 1 ano de período de carência para dar tempo para construir.

O empreiteiro precisa de adquirir materiais aos revendedores. Azulejos, mosaicos, cimento, ferro, canalização, eletricidade e por aí fora.

Todos os seus revendedores só recebem a pronto-pagamento, mas por estarem com grande volume nas vendas, precisam de ter muito stock em armazém para que as necessidades dos clientes sejam sempre satisfeitas. Precisa então de acumular sempre em armazém 500 a 600 mil euros em atock (ativo circulante). Como os fabricantes só recebem também a pronto pagamento, a sua tesouraria não chega para adquirir tanto material à cabeça. Negoceia com o seu banco uma conta caucionada renovável de 6 em 6 meses com plafond de 150 mil euros ou então um empréstimo com um fim específico: o de adquirir stock para satisfazer necessidades dos clientes.

O fabricante de azulejos, percebendo que as suas vendas crescem 10% ao ano e o lucro cresce pelo menos na mesma proporção, decide que deve investir na fábrica para ganhar maior competividade e abater lucros. Compra 2 ou 3 máquinas novas, remodela o espaço, mas como não tem tesouraria suficiente para avançar com o investimento já que:
teve clientes que não lhe pagaram,
opta frequentemente por retirar dinheiro para as suas extravagâncias pessoais, pede um empréstimo ao banco, ao que este também lhe responde afirmativamente.

Os trabalhadores da fábrica, maioritariamente jovens, vendo os seus salários aumentarem e boas perspetivas de futuro asseguradas, decidem também eles optar por adquirir casa própria, mas claro, sem dinheiro suficiente

Moral da história:
Tudo começou com o Estado, que ao ter sido o primeiro a gozar de condições únicas de financiamento, abusou de sua condição base, e induziu na economia privada toda uma cascata de decisões que levaram os privados a acreditar que comprar hoje com dinheiro do amanhã seria "canja de galinha". Seria difícil reagir de outra maneira.

E quem foram os responsáveis pelas políticas de redução das taxas de juro (que significam o preço do risco) e que asseguraram aos credores mundiais que Portugal seria um aluno de primeira?
Oxalá que a mira da História os identifique um dia como alvos

Tiago Mestre

9 comentários:

Manuel Galvão disse...

Eu conto essa história de outra forma:
- Os grandes banqueiros norte americanos, também eles acionistas do FED, decidem trabalhar com juros baixos como estratégia de engolir os bancos pequenos. Influenciam o FED a baixar os juros de criação de dinheiro para 1%. Começam a emprestar grandes quantidades de dinheiro para grandes investimentos (indústria do armamento, indústria automóvel, novas tecnologias etc.)
- Os bancos norte americanos mais pequenos reagem à ameaça baixando os juros de retalho (habitação, pequena indústria). Isso provoca expansão económica das atividades de baixo TIR (especulativas e outras).
- Os bancos europeus, sentindo-se ameaçados pelas sucursais dos bancos americanos pedem ao BCE que baixe ele também os juros na criação de euros. O BCE emite dinheiro a 1%.
- Os bancos europeus de países periféricos, agora com crédito do BCE a juros baixos, percebem que têm que duplicar ou triplicar o volume de negócios devido à baixa das taxas de intermediação. Ou fazem isso ou não conseguem gerar cash-flow para pagar os custos de estrutura das empresas.
- Nesses países periféricos não operam grandes empresas, os bancos de países periféricos influenciam o Estado desses países a fazer grandes obras públicas. Para o conseguirem mais facilmente financiam a acensão ao poder de políticos ambiciosos, que lhes façam o jogo. Quando os investimentos são de rentabilidade duvidosa, os bancos exigem a aval do Estado (alguém há de pagar). Os políticos seus amigos assinam os aveles.
- Esses políticos dispõem agora de argumentos importantes para obterem grandes votações a seu favor, pois prometem autoestradas, estádios, aeroportos, TGVs, e mais abaixo, pavilhões desportivos, piscinas, rotundas-a-dar-com-um pau. E cumprem, e são reeleitos com maioria!
- A construção de tanta obra pública dinamiza a economia fazendo escassear mão-de-obra e consequentemente aumentar o preço do trabalho.
- As pessoas passam a ganhar mais e, com juros tão baixos (só olham para a prestação que vão pagar pela casa), compram casas caras, a 40 anos e carros caros, importados, a 40 meses.
No ano em que foi construída a Expo de Lisboa (há 12 anos), um pedreiro ganhava 10.000$00 por dia. Hoje ganha menos de metade, se encontrar emprego!.
ESTA É A VERDADEIRA HISTÓRIA DO ESTADO A QUE CHEGÁMOS.

Vivendi disse...

Esqueceste de te referir o negócio dos terrenos e os licenciamentos...


Mas a opinião do Manuel Galvão toca na raíz do problema.

Fernando Ferreira disse...

Manuel, o que aconteceria nesse encadear de acontecimentos se o FED e o BCE nao existissem?

Tiago Mestre disse...

Manuel, não falaste em nomes, mas acho que é isso mesmo.
Posso referir nomes?
Bill Clinton
Alan Greenspan
George W Bush
Ben Bernanke
Paul Krugman
Helmut Kohl
Trichet
Romano Prodi
Barroso
Draghi
e todos aqueles que nas reuniões com estes senhores (que devem ter sido milhares) não se opuseram, não disseram não, e ainda alimentaram a apologia com teses académicas.

Mas estão a escapar-me muitos nomes certamente de gente conhecida

Filipe Silva disse...

A história do Manuel Galvão não corresponde há verdade, a Fed baixou as taxas de juro para 1% na altura do Greenspan devido ao arrebentar da bolha das dot.com, num primeiro momento Greenspan aumentou as taxas de juro (movimento correcto, dentro do modelo de banco central), como a economia começou a patinar e este com medo tomou a decisão de baixar as taxas de juro para níveis historicamente baixos.

Não esquecer que os keynesianos em 2000 eram todos a favor deste movimento, o Krugman ficou conhecido por dizer que para resolver esse problema era necessário criar uma bolha no imobiliário.

No tempo do Clinton uma lei passou que baixava os requesitos que os clientes necessitavam para verem um crédito aprovado, bem como o Estado americano ter ficado responsável por pagar as hipotecas que falhassem, via freddy mack e fanny mae, e o resto da história


O BCE só começou a ter taxas de juro inferiores a 1% desde 2011.

http://www.ecb.int/stats/monetary/rates/html/index.en.html

http://www.global-rates.com/interest-rates/eonia/eonia.aspx

No link abaixo verificamos que a EONIA a taxa overnight só esteve abaixo de 1% desde o ano de 2010

A história contada não bate com os dados.

O que se passou é simples de perceber, como explicou Paulo Monteiro Rosa, existiram durante 10anos uma eurobond implicita, isto é, os investidores pensaram que a solidariedade seria total, e que emprestar a Portugal e Alemanha seria quase a mesma coisa, podemos ver que os custos de financiamento baixaram para nós e aumentaram para a Alemanha.
O que nos permitiu ter acesso Às taxas da Holanda, sem sermos um país como este.

Como o Estado nunca tratou de colocar leis em condições, principalmente do arrendamento, com o acesso a crédito muito barato, e com uma concorrencia por parte dos bancos louca, lembrar os spread´s de Zero, fez com que os portugueses se endividassem para comprar casa, e consumir como se fossemos super ricos.

Convêm lembrar que Sousa franco nos anos 90 a uma pergunta sobre poupança, disse mais ou menos isto, os portugueses podem agora gastar, como fazem os europeus, como dizia Victor Constâncio não é preciso poupar, o dinheiro é agora barato e ilimitado.

O problema da banca é que se financiou no curto prazo para emprestar no longo, e como tinha de andar constantemente a fazer o roll over da sua divida, a crise de 2008 foi fatal para a nossa banca, os mercados fecharam e os bancos ficaram dependentes do BCE, e como o BCE so aceitava titulos de divida , estes passaram a comprar os titulos de divida portuguesa, por isso não chega À economia o crédito.

Claro que existem muitas mais explicações.

A FED é privada e o estado americano conferiu lhe o monopólio, algo insconstitucional dado que é o congresso que tem o poder de cunhar moeda, mas isso é outra história.

A realidade é que com a finança a ter um papel cada vez mais central na economia americana e mundial o sistema montado estoirou em 2008.

A construção de obras públicas não faz crescer assim tanto a economia como diz, dado que geralmente não produzimos nada, é tudo importado, aumenta o crescimento mas é dos outros países.

A teoria keynesiana é o que se tem vindo a encetar em Portugal nos últimos 30 anos, e deu os lindos resultados que deu, agora vamos penar.

Não existem decisões colectivas, apenas individuais.

Fazia muito bem ler Mises

Manuel Galvão disse...

O que é importante reter neste post e seus comentários é que os funcionários públicos e seus salários pagos pelo Estado, não são a origem do problema. São um acessório sem importância. São uma consequência.
Porém muita gente aqui em Portugal anda a fazer demagogia querendo imputar as culpas do endividamento à raia miúda (como este post insinua), sugerindo que "a raia miúda andou a gastar mais do que podia, agora tem que pagar o desequilibrio financeiro do Estado.

Não é verdade! As pessoas gastaram mais do que a economia permitiria, em situação de equilibrio financeiro, mas fizeram-no legitimamente. Os Bancos obrigaram as pessoas a endividar-se, fazendo propostas irrecusáveis de crédito. Irrecusaveis para qualquer cidadão que use a razão de uma forma normal.
Os bancos deviam ser responsáveis pelas análises de crédito que fizeram, e deviam suportar uma parte consideravel das menos valias que se verificam hoje no valor dos imóveis e de outros ativos que eles financiaram.

Porém há uma lei imutável da natureza que reza o seguinte: a corda parte sempre do lado do mais fraco...

Vivendi disse...

Tem de se voltar mais atrás. A época de Nixon. Em 1971, diante de pressões crescentes na demanda global por ouro, Richard Nixon (um vigarista), então presidente dos Estados Unidos, suspendeu unilateralmente o sistema de Bretton Woods, cancelando a conversibilidade direta do dólar em ouro. Hoje o mundo vive em money fiat com as reservas fracionárias deu no que deu.

Ricardo Anjos disse...

Desculpem-me a impertinência, mas estão todos a acertar ao lado! Não foram nem os políticos nem os políticos que deram cabo do sistema... fomos nós- o Povo! Afinal, não nos podemos esquecer que vivemos em democracia, e em democracia o Povo é soberano...
De facto, todos os políticos de base ideológica Keynesiana (a que chamo de Mix entre Capitalismo e Socialismo) foram sáticamente eleitos e reconduzidos votação após votação. O povo, obviamente, acreditou, ou quis acreditar que podia viver à grande e à "Americana" sem ter de esperar acumular riquesa para isso.
Na minha opinião, o Povo quis gastar agora, e pagar depois(se possível nunca), e os FED's e BCE's agiram en conformidade.

o Povo, catalogou os que acreditam na poupança como geradora de prosperidade como "velhos do Restelo", e até de "Fascistas"!!! Foram enchovalhados, arredados das tv's e dos jornais. Como exemplo: se o comentador de serviço pela direita moderada, é em Portugal o Pedro Marques Lopes, está tudo dito!

O Povo assim decide, em seu próprio interesse (imediato concerteza), e vota em quem mais prometer GASTAR! Idealmente, gastar sem fim... até porque o Estado tem "infinitos" dinheiro - como diz o meu filho de 4 anos...

Como ninguem vai ganhar eleição nenhuma de quem se atreva a dizer a verdade, podemos contar como assegurada a continuação do chorrilho de mentiras, decepções pós eleitorais, e a continuação do descontrolo orçamental.

Novamente como exemplo, em Portugal no cenário pós-eleitoral, temos 65% dos partidos políticos eleitos pelo Povo que pensam que deveriamos gastar MAIS, e 35% que sabem que não podemos gastar.

Na realidade, e de acordo com a história recente das contas do nosso país(nos últimos 40 anos), o que sabemos fazer é pedir dinheiro emprestado, caloteirices e défices mais ou menos estruturais... Se gastar não cria emprego suficiente, empregue-se no Estado... se no Estado os quadros de pessoal estão preenchidos, criem-se mais Institutos, Observatórios, e Entidades Reguladoras... Se os cargos de chefia não albergam todos os "Boys dos Partidos", comissionam-se umas avenças, pedem-se uns estudos, ou encomendam-se uns pareceres à medida...
O que é e sempre foi importante, é gastar... sem Despesas, não se exerce o "Poder".
Afinal, para quê ter tanto trabalho para ser eleito, se fosse só para "Gerir o Estado"???

Gastar para o infinito e mais além... como agora dizem todos.

Claro que a vigarice não pode ser obvia... Por isso dizem os politicos que Gastar=Investir! Porém, o que acontece na realidade, é que quando os Governos decidem Gastar/Investir 100, o PIB deveria pelo menos subir 100(para ficar na mesma) ou pelo menos 101 (para um ROI de 1%)... isto se fosse efectuado com recursos próprios ( i.e. impostos cobrados em Portugal). O que acontece, é que o PIB "Decresce???" apesar do Investimento Público. i.e. não é rentável nem sustentável... Para compensar um investimento público neste momento, o ROI teria de ser 20% em 10 anos, e iria tudo para juros...

Enquanto nós-Povo, pensarmos que o Estado são "eles", e não realizarmos que o Estado somos nós-Povo, isto não se endireita. Não esquecer nunca que o Estado-nós-Povo, paga : salários; pensões; subvenções; e serviços a alguns de nós-Povo, com os impostos que nos são cobrados a nós-Povo, mais o dinheiro que pedimos emprestado aos credores para nós-Povo pagarmos mais tarde! Lembrem-se disto todos os manifestantes que reclamam aumento de salários...

Miguel disse...

Concordo com tudo o que foi dito em cima.

Só acrescento é que existe um sentimento de não pertença dos portugueses na própria sociedade.
Daí ler constantemente " o povo..." e "o povo português.." e "porque o povo não faz.." Ou seja quem escreve já tem o tal sentimento de não pertença.
Todos devemos sentir que fazemos parte do tal povo, para podermos evoluir como sociedade.

Depois ouvem-se bitaites a desconversar, e o que como sociedade deveriamos ter feito, fica por fazer.

Falta-nos muita evolução.
Se compararmos as restantes sociedades europeias, não se verifica o que cá se passa.
Aqui o problema do B, é do B e o resto "assobia para o lado", não é nada comigo por isso, td ok.

Não pode ser.

Isto é o que mais me entristece como povo. Os valores a ética de outrora esfumaram-se.
Não existe entreajuda, solidariedade, cordialidade, etc, etc.